3 mitos sobre escrever bem
O mito de que ler mais ajuda a escrever melhor é um lugar comum

Cada vez que as notas do ENEM são divulgadas, mitos sobre escrever bem são reforçados na imprensa e em rodas de conversas virtuais ou presenciais. Vívian Rio Stella, pós-doutora em Linguística pela Unicamp e professora de cursos de Comunicação e Liderança pela VRS Cursos, lista abaixo quais são os três principais - e perigosos - mitos:

Escrever bem é escrever "certo": esse é daqueles mitos clássicos e "best-seller". Capas e longas reportagens de revistas e portais da internet já alertaram sobre os principais erros de português, como o uso do "houveram" em vez de "houve", do "vou estar fazendo" em vez de "farei". Como se apenas saber regras gramaticais fosse a salvação para produção de bons textos. O que se observa, recorrentemente, são problemas de estruturação, de coerência e de conexão entre palavras, frases e parágrafos, com impacto no sentido e, principalmente, na adequação do texto produzido ao tipo de texto esperado. Por exemplo, o aluno faz um relato quando se espera uma argumentação ou narra quando se pede descrição. Essas falhas estão na esfera textual e não gramatical.

Ler mais ajuda a escrever melhor: outro lugar comum, reforçado anualmente por publicações em que figura um aluno nota 10 no ENEM e seu livro predileto. Primeiro, ler não é apenas prazer, é trabalho, dedicação de tempo e exercício de interpretação e imaginação. Segundo, ler muito, mas apenas um tipo de texto, não favorece nem a leitura nem a escrita. É preciso, portanto, ler diferentes tipos de texto, que demandam habilidades de leitura distintas: gibis (com seus recursos textuais e visuais), reportagens e artigos de diferentes extensões e fontes de informação (com seus hiperlinks, quadros explicativos), livros (clássicos, best-seller, ficção ou não ficção, técnico, de arte ou de culinária), posts em diferentes redes sociais (cada uma com sua linguagem própria). Terceiro, quanto mais tipos de textos o leitor produzir, melhor escritor desses textos ele se torna. Ler e escrever são habilidades distintas, ainda que de alguma forma interligadas.

Comunicar-se pelo internetês deteriora a língua portuguesa: para usar a linguagem da internet, #quemnunca mandou mensagens no whatsapp somente com as famosas carinhas ou símbolos (emoticons) disponíveis nos teclados dos smartphones? Ou escreveu "vc" em vez de "você", "tks" em vez de "thanks". Além disso, é improdutivo para a discussão e compreensão do fenômeno do internetês avaliar a linguagem usada em um tipo de texto sob a ótica de outro tipo, isto é, julgar os posts de internet sob a ótica do texto científico, por exemplo. O internetês não representa o empobrecimento da língua, mas sim a maleabilidade e constante inovação dela e de seus usos em diferentes tipos de textos e contextos. #prontofalei

Uma pena que esses mitos continuem a povoar as páginas de sites, jornais e revistas e a ressoar em conversas, mesmo com os avanços nas pesquisas sobre letramento e nas abordagens de materiais didáticos focadas em leitura e produção de textos significativa e contextualizada.

Há, sim, um longo percurso a ser percorrido para que a maioria da população brasileira seja capaz de ler, compreender e escrever diferentes tipos de textos. A educação de modo geral e o ensino de língua podem, sim, ser mais efetivos no trabalho com leitura e produção de texto. O que não se pode ignorar é que tanto as pesquisas linguísticas quanto o ensino de língua vêm evoluindo e precisam que esses mitos deixem de se sobrepor a tudo que vem sendo feito na área.