A tecnologia que conecta pessoas por meio da internet e suas redes sociais pode causar dor de cabeça aos pais, professores e pedagogos. Episódios envolvendo bullying virtual, difamação e a vingança erótica, conhecida como sexting, tem ganhado espaço entre os jovens e adolescentes.
De acordo com o psicólogo e pesquisador da Universidade Federal da Bahia Rodrigo Nejm, diretor de Educação da Organização não Governamental (ONG) SaferNet, o vazamento de conteúdo íntimo tem superado, em volume, casos registrados em comparação aos episódios de cyberbullying, nos últimos dois anos.
"O fato é que os adolescentes se apropriam da internet com uma sensação de poder e anonimato, com que aquilo está fazendo está protegido, que não tem consequências. É muito enigmático, pois mesmo que conheçam o perigo, na hora da brincadeira, do namoro, se expõem muito mais a essas situações na rede".
A ONG registrou, no ano passado, 322 atendimentos em seu canal de ajuda sobre situações envolvendo o chamado sexting, quando jovens e adolescentes trocam imagens de si mesmos (com pouca roupa ou nus) e mensagens de texto eróticas.
Com relação ao ciberbullying, a SaferNet registrou 265 pedidos de ajuda. Em 2014, a SaferNet computou 224 atendimentos por sexting e 177 por ciberbullying. Para o especialista, os números são pequenos diante da realidade, mas expressam um "termômetro" da atual realidade do país.
A facilidade de acesso à internet, a sensação de segurança provocada pelo uso do celular pessoal, a erotização precoce e a falta de instrução sobre educação sexual estão entre os fatores apontados pelo psicólogo para o aumento dos casos de sexting.
"Crianças acessam a internet pelo celular, essa sensação de segurança fez com que as pessoas se sentissem mais à vontade para compartilhar conteúdo íntimo. Atualmente já não há mais o obstáculo da lan house ou o computador que era compartilhado por várias pessoas em casa. Além disso, há uma cultura de superexposição e erotização precoce da infância que estimula ainda mais essa situação. O tabu sexual ainda é muito grande e nessa fase de experimentação, o adolescente está 'fazendo e acontecendo' na internet com o calor do momento", analisa Rodrigo Nejm.
Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam que 81,5 milhões de brasileiros com mais de 10 anos de idade acessam a internet pelo celular. O número representa 47% dessa parcela da população, de acordo com as entrevistas feitas em 19,2 mil domicílios entre outubro de 2014 e março de 2015.
Pense antes de compartilhar
O psicólogo é enfático: o jovem deve pensar antes de compartilhar imagens ou conteúdo. "Quando você for compartilhar, publicar, tente pensar um pouco mais do que [apenas] no momento, porque as consequências são muito importantes", alerta.
"O que nos surpreende nos 'nativos digitais' é que a gente supõe que eles são muito habilitados. Uma coisa é o tempo de uso e outra coisa é a capacidade crítica, de reflexão, de fazer escolhas conscientes, e ninguém aprende sozinho só porque nasceu nesta era digital. Isso exige uma conversa sobre cidadania com pais, familiares. A gente vê adolescente expondo comentários racistas, homofóbicos e se arrependem. Tente a reflexão antes do clique", disse Rodrigo Nejm.
Para a procuradora regional da República Neide Cardoso, coordenadora nacional do grupo de trabalho de enfrentamento aos crimes cibernéticos do Ministério Público Federal (MPF), outro aspecto que desperta preocupação das autoridades é a exposição voluntária de informações pessoais dos jovens.
"Hoje as pessoas colocam a vida toda nas redes sociais. Ali o aliciador, além de visualizar as fotos, também tem informação da pessoa – seja da escola, do local, às vezes mostra residência. São imagens que acabam identificando", afirmou.
Preocupado com aumento da criminalidade incentivado pela insegurança da rede, o MPF criou o Projeto Ministério Público pela Educação Digital nas Escolas. A iniciativa leva informação sobre o uso seguro e responsável da internet para professores da rede pública e privada de ensino, e já percorreu 12 capitais brasileiras. De acordo com o órgão, os principais riscos são o aliciamento online; a difusão de imagens pornográficas de crianças ou adolescentes e o ciberbullying.
Segundo a procuradora, os pais devem sempre acompanhar o que seus filhos estão fazendo na internet. "A própria criança acaba dando algum sinal. Quando o pai está se aproximando, desliga o computador, muda a tela, isso é um sinal de que alguma coisa está acontecendo. Sempre acompanhar e orientar a criança nesse aspecto: evitar contato com quem não conheça, evitar se expor com fotos que identifiquem família, escola", orienta.
Neide Cardoso orienta ainda que jovens evitem se relacionar com pessoas com quem nunca tiveram contato presencial. "[O adolescente] nunca vai saber se quem está do outro lado é uma pessoa da idade dela. Normalmente, o aliciador de menor sabe ter o mesmo nível de conversa de uma criança que ele quer iludir. Assim como adultos sofrem crimes de estelionato na internet, fica muito mais difícil para uma criança ou adolescente perceber essa situação".
A procuradora ressalta que o pai ou responsável pelo adolescente que pratica um ato infracional pode ser responsabilizado por danos morais em relação à vítima.
"Os adolescentes têm muito a ideia de que não vão ser pegos, que pode fazer o que quiser na internet que as autoridades não vão conseguir identificá-los, e nós, a partir de qualquer denúncia, temos sempre como identificar o agressor. O que é mais difícil para nós é justamente chegar à denúncia".
Como lidar com excesso de internet?
Segundo Rodrigo Nejm, o essencial para pais e responsáveis é dosar o uso dessas tecnologias com outras experiências.
"Quando o pai adota essa tecnologia como principal instrumento isso é gravíssimo para infância, porque é muito limitado do conjunto de estímulos que oferece para as habilidades cognitivas e sociais para a criança. Se você priva a criança de objetos cognitivos e comportais, se torna o celular e jogos eletrônicos a principal oferta de recursos lúdicos é uma forma de assassinar a pluralidade cognitiva daquela criança
Para o psicólogo, os responsáveis devem limitar o máximo o contato de crianças até 4 anos com eletrônicos e a internet. Aos mais velhos, o ideal é dosar o uso e impor limites para que os jovens usuários tenham outras alternativas de lazer, como esporte, música e cultura.
"Quando a criança só socializa pela internet, de fato, ela vai ser prejudicada. A vida vai muito além da internet. Quando ela passa a ser a única atração, o uso excessivo, pode ser prejudicial ao desenvolvimento daquela criança".
A recomendação do especialista é que a família crie momentos para que o uso da tecnologia é evitado. Refeições, horários de descanso e atividades com amigos e familiares devem ser momentos de "desplugar" para adolescentes.
"Outro exercício muito saudável é tentar ficar um dia sem Internet ou celular. Fazer um diário das experiências sem o celular, descrever as sensações, o que usou, o que mais sentiu falta, o que sentiu de diferença. Esse simples exercício de parar para pensar no seu uso é uma forma de administrar o seu próprio uso e analisar qual a qualidade do meu tempo gasto em comparação a como tenho usado o meu tempo. Os adolescentes precisam a fazer essa reflexão, de como eles manejam o seu próprio tempo".