Métodos e exercícios teatrais incentivam o autoconhecimento e podem melhorar a postura dos adultos no mercado de trabalho
De riso fácil, Kelly não foge dos pequenos desafios cotidianos, como trocar a cor dos cabelos com frequência. Camaleoa e com uma desenvoltura que transparece até por telefone, a advogada de 33 anos percebeu que, apesar de todas essas qualidades, não conseguia estabelecer novos laços de amizade na idade adulta.
Foi então que, sem pensar duas vezes, tentou novamente se adaptar ao teatro, não com a pretensão de ser artista, mas com o desejo de sacudir a zona de conforto.
“Cada vez mais me apaixono pela pessoa que eu estou me tornando. O motivo principal que me fez procurar as aulas de teatro pode parecer meio bobo, mas eu acho muito difícil fazer novas amizades na idade adulta, os últimos grandes amigos que eu fiz foi na adolescência. Agora, são mais colegas de trabalho, que não têm aquela intimidade de tomar café, ficar em cima do sofá. Eu sabia que no teatro teria um espírito de equipe forte e que talvez pudesse ajudar”, acredita Kelly Marques Tavares.
ENFRENTAMENTO
Segundo a atriz e diretora da Casa de Cultura Nildes Tristão Prieto e do Grupo Casa, Ligia Pietro, atualmente 100 alunos frequentam as aulas no espaço e em média 70 deles não buscam a carreira profissional artística. “Os alunos costumam iniciar as aulas por outros motivos, claro que tem alguns que desejam ser atores, ator de Hollywood, mas são algumas exceções”, explica.
Com três turmas para adultos na Casa de Cultura, Ligia ressalta que há muitas razões para os alunos iniciarem uma jornada no palco. “Tem muito a questão da timidez, que pode interferir no mercado de trabalho em que essa pessoa está inserida, tem a questão da falta de confiança em si, nos outros, são várias razões”, acredita.
Além de atriz, Ligia também é psicóloga, com formação em psicanálise, e ao lado do marido, o diretor, ator, palhaço e dramaturgo Fernando Lopes Lima, decidiu incluir um método de enfrentamento nas aulas de teatro, que possibilita aos alunos descobrirem e expressarem os sentimentos que os prendem.
“Cada um vem com uma demanda que traz da vida e, quando chega aqui, precisa resolver, se conhecer melhor e se conectar com o outro. As etapas deste processo vão desde exercícios e jogos teatrais até as devidas preparações de cenas, trabalhando dramaturgia, corpo, voz e personagem”, ressalta.
Mas se engana quem acredita que o curso é leve. “As aulas acontecem uma vez por semana, com duas horas de duração. Porém, os alunos precisam estudar e têm as tarefas”, explica Ligia.
Para Kelly, o teatro conseguiu quebrar barreiras importantes tanto para o crescimento pessoal quanto o profissional.
“Eu comecei a frequentar as aulas do Grupo Casa em janeiro. Eu sempre tive vontade de fazer, cheguei a ir em alguns cursos de férias, mas eu não me identificava com a metodologia, que era voltada à atuação profissional. Eu também atuo na área de treinamento e senti muitas mudanças, inclusive na postura, que muda completamente com a consciência corporal. Agora, eu percebo se estou balançando, se coloco muito a mão no bolso, tenho consciência corporal; é aquela descoberta de quem é você na frente do palco”, explica.
NOVOS CAMINHOS
Para o músico e advogado Guilherme Burzynski Dienes, 30 anos, participar das aulas de teatro possibilitou a descoberta de novas sensações. “Foi uma experiência diferente, que em momento algum eu escolheria sem indicação. Tem muita gente de diversas áreas que faz parte de grupo de teatro como passatempo, e é só entrando em um que você descobre. Para mim, o fato de ter de criar e atuar em um campo onde não tenho experiência nenhuma faz recuperar aquele espírito de principiante, que todo mundo tem quando inicia uma nova atividade”, afirma.
Segundo Guilherme, os padrões de narrativa adotados por cada um de nós durante a vida podem se transformar em uma rotina prejudicial à criatividade.
“Mas o teatro dá enfoque em muitas coisas que você elimina do seu dia a dia. Acentua o adjetivo, quando o texto técnico busca eliminá-lo. Para mim, foi bem legal ver esse outro lado. Da questão de turma com jovens ou pessoas mais velhas, eu acho interessante justamente o quanto as coisas mudaram. Imaginar um guri que não conhece uma música do Led Zeppelin hoje é normal. As referências mudaram, e a gurizada nova é muito ensimesmada para você capturar isso no dia a dia, sem convívio próximo. Essa experiência é bem legal”, acredita.
Para Kelly, o principal objetivo foi alcançado. “Depois dos ensaios, eu saio com a turma para comer pizza e falar da vida”.