Na Capital, já ocorreram aproximadamente 21 sepultamentos com caixão lacrado.
Em Campo Grande, desde os primeiros casos confirmados de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, no dia 14 de março, ocorreram pelo menos 21 sepultamentos diretos, ou seja, sem a realização de velório e com poucos familiares presentes no cemitério. Isso acontece por determinação da Vigilância Sanitária, para evitar a contaminação de outras pessoas com o vírus, que já matou quatro pessoas no Estado.
O sepultamento sem velório, de forma direta, é feito quando o paciente tem suspeita ou confirmação da doença. Porém, mesmo quando o óbito é por outro motivo, as famílias têm optado por não fazer o velório.
Assim que o paciente morre com suspeita da doença, as funerárias são informadas pelo hospital para que, ao buscar o corpo, sejam respeitados todos os trâmites que foram determinados pela Vigilância Sanitária.
De acordo com o representante dessas empresas, Gilvan Paes, o corpo é entregue aos funcionários já envolto em dois sacos plásticos, que não podem ser retirados pela funerária.
No ato de retirada do corpo do hospital e no trajeto até o cemitério, os funcionários utilizam uma roupa especial, além de luvas e máscara, para evitar contaminação.
O corpo é transportado já em caixão lacrado e ninguém tem contato com ele durante todo o processo.
Isso implica no fato de que a família, que também não pode acompanhar a evolução do paciente no hospital, já que visitas são proibidas, não poderá ter um último contato com o morto.
EFEITO
Para a psicóloga e psicanalista Marilene Kovalski, isso pode causar algum dano aos familiares, como depressão e angústia.
“A morte já é difícil por si só, e o velório é uma oportunidade de fazer um ritual de passagem dessa pessoa de um plano para o outro. De alguma forma, ele ajuda a elaborar essa ideia de morte, é um rito de passagem que ajuda no luto. O velório não ameniza a dor, mas ajuda as pessoas a se sentirem confortadas, porque lá recebem o apoio de outros membros da família. Mas agora, com essa situação nova, até a família não tem mais condição de acompanhar”.
Segundo a psicóloga, como é uma situação recente, ainda não há nenhum estudo sobre os danos que essa nova forma de sepultamento pode deixar em quem ficou. “Vai depender muito do vínculo que essa pessoa tinha com a família. É tudo muito novo, nós vamos ter de construir uma narrativa que dê conta dessa nova forma de luto”.
Entre essas famílias está a de José Maria de Deus, 53 anos, que perdeu a filha de 32 anos, Érica Rodrigues de Souza. A jovem sofreu um acidente de moto em novembro de 2004, com apenas 17 anos. Ela e um amigo estavam de moto na Avenida Coronel Antonino, quando o veículo perdeu o controle e bateu no meio-fio.
O piloto, Euler Fernandes de Lima, 25 anos, morreu, mas Érica foi levada para a Santa Casa em estado grave. O acidente deixou a jovem em estado minimamente consciente, ela era cuidada pelos pais, mas faleceu na madrugada de ontem.
Por orientação da Vigilância Sanitária, os velórios de pessoas que não são de casos suspeitos têm apenas duas horas de duração. Somente dez pessoas por vez podem permanecer dentro das capelas. Por causa dessas determinações e do horário de fechamento do cemitério, a família não teve outra opção a não ser fazer o enterro direto.
“É ruim, tem muita gente que gostaria de se despedir dela, mas não dá tempo, como o IML (Instituto Médico Legal) ainda não liberou o corpo e são só duas horas de velório e aqui fecha às 11h, a gente não vai ter tempo”, relatou o pai da jovem.
Além desse, outros dois sepultamentos diretos foram feitos ontem e outros 18 desde o início da pandemia. Segundo o representante das funerárias, a maior parte desse número era de casos suspeitos da Covid-19. Em Campo Grande, porém, apenas duas mortes estão confirmadas como sendo causadas pela doença.
“Depois que a gente sepulta, o hospital não nos dá muita informação, por isso, agora nós mudamos nosso protocolo e estamos tratando todos os casos com o equipamento apropriado para Covid-19. Quando o carro volta de um sepultamento, ele é desinfectado, e, quando se trata de casos suspeitos, a gente limpa e só usa ele no outro dia”, contou Paes.