Ainda há tempo para fazer os cortes de emissões de gases-estufa necessários para impedir que o planeta se aqueça perigosamente, as medidas necessárias para tal são tecnicamente viáveis, e o custo de eliminar o carbono não vai prejudicar a economia. Essa foi a conclusão de um novo estudo internacional, liderado por uma rede de pesquisa da ONU e por um centro de pesquisa francês. A análise é a mais detalhada até agora sobre como manter o aquecimento global abaixo do acréscimo de 2°C, considerado perigoso.
O trabalho, batizado de DDPP (Projeto para Trajetórias de Descarbonização Profunda, sigla em inglês), é a somatória de estudos feitos por equipes de cientistas dos 16 países que mais emitem gases de efeito estufa no mundo, Brasil incluído. O estudo é uma tentativa de conectar duas pontas soltas do combate à mudança climática: os dados científicos compilados pelo IPCC (painel do clima da ONU) e as negociações da COP 21, a cúpula do clima, que reunirá chefes de Estado para assinar um acordo global de redução de emissões.
“A ciência sugere que os riscos para todos os elementos da mudança climática são maiores do que pensávamos, e muitos cientistas dizem que o próprio limiar dos 2°C delineado pelo IPCC já seria alto demais”, afirma Guido Schmidt-Traub, diretor do SDSN (Rede de Soluções em Desenvolvimento Sustentável), criada pelo secretário-geral da ONU Ban Ki Moon, que encomendou o estudo. “Por outro lado, o mundo real dos formuladores de políticas e empresários cada vez mais vinha dizendo que impedir os 2°C seria impossível, um delírio.”
Não vamos precisar que todos se tornem ciclistas vegetarianos"
Jim williams, coautor do estudo
O DDPP busca agora fazer a ponte, mostrando que a meta de 2°C pode não agradar a todo mundo, mas ao menos é tecnicamente possível. E toda a projeção feita pelo estudo está consistente com um crescimento econômico anual médio de 3,1% durante o período. “Em nenhuma das trajetórias desenhadas para os países individuais os estudos apontam que teremos de abandonar nossas prioridades sociais para ficarmos sentados no escuro e começar a andar a pé”, afirmou Jim Williams, autor do relatório responsável pela cota dos EUA. “Não vamos precisar que todos se tornem ciclistas vegetarianos.”
A quantidade de emissões por dólar do PIB global, porém, terá de cair para um décimo da de 2010, usada como referência. Para ninguém ficar a pé, o planeta inteiro precisaria passar por uma reforma no transporte público, e uma frota global de um bilhão de carros elétricos ou a hidrogênio teriam de entrar em cena. Os três principais pilares dos cortes de emissão são melhorar a eficiência no uso da energia, evitando que aparelhos desperdicem o que recebem da tomada, eliminar o carvão e o petróleo da geração de eletricidade e substituir combustíveis fósseis por alternativas como eletricidade ou biocombustíveis. Nos casos do Brasil e da Indonésia, acabar com o desmatamento também será algo imperativo.
A trajetória mais robusta para a queda de emissões necessária para evitar os 2°C, porém, presume que as emissões globais comecem a cair já em 2020, mas que essa redução inicialmente parta apenas dos grandes países desenvolvidos, como os EUA, e países em desenvolvimento em posição mais favorável, como o Brasil. A partir de 2030, a China, maior emissor do mundo, começaria a reduzir suas emissões também. A Índia, que deve ultrapassar os EUA como segundo maior emissor em 2040, teria ainda direito até a aumentar suas emissões durante o século, por ter hoje uma emissão “per capita” muito baixa, em torno de 1 tonelada por ano. A emissões per capita globais, porém, cairiam de uma média 5,5 t para 2,0 t, e seriam menos desiguais (hoje um cidadão americano emite 18 vezes mais carbono que um indiano).
No total por fim, as emissões globais, que eram de 23 bilhões de toneladas em 2010, cresceriam até 25 bilhões em 2020, mas depois iniciariam uma queda constante até 10 bilhões em 2050.
Otimistas x pessimistas
O DDPP – projeto que a SDSN criou junto com o IDDRI (Instituto para Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais), baseado em Paris – contrasta com a maré de pessimismo que vem se ampliando à medida que a COP 21 se aproxima, em dezembro deste ano. A projeção do clima no fim do século baseada nas promessas de cortes de emissões que governos têm feito até agora não está de acordo com o que diz o DDPP.
Outros estudos, baseados exclusivamente nos números aventados pela negociação política, projetam um aumento de temperatura de quase 4°C até o fim do século. É o que diz a ONG Climate Action Tracker, que acompanha em tempo real as promessas dos países. China e EUA ainda estão fora da trajetória que precisariam adotar e receberam nota “média” dos pesquisadores. Alguns dos 16 grandes emissores como Rússia, Canadá, Austrália, Japão e África do Sul, receberam nota “insuficiente”. O Brasil, que ainda não apresentou proposta para a COP 21, tem desempenho considerado “médio”, sujeito a mudança.
Segundo os pessimistas, a humanidade tem um 'orçamento de carbono' limitado para emitir antes de comprometer o planeta. Se as emissões não começarem a se reduzir rapidamente, o orçamento vai se esgotar antes do meio do século, levando o planeta acima de mais 2°C.
O grande problema, apontam os mais pessimistas, é que a humanidade tem um “orçamento de carbono” limitado para emitir antes de comprometer o planeta. Esse número foi estimado em 1 trilhão de toneladas de carbono pelo IPCC, e desde o século 19 mais da metade delas já foram consumidas. Se as emissões não começarem a se reduzir rapidamente, o orçamento vai se esgotar antes do meio do século, levando o planeta acima de mais 2°C.
A ministra do meio ambiente francesa, Laurence Tubiana, a anfitriã da COP 21, porém, elogiou o DDPP e tentou aplacar o clima de pessimismo. Segundo ela, a ideia é tentar mudar a “filosofia” com que o acordo será negociado.
“Nós não vamos tentar dividir o orçamento global de carbono em pedaços para distribuir entre países”, disse. “O que vamos fazer é criar uma maneira de aumentar a ambição das contribuições ao longo do tempo e que isso se torne uma parte integrante do acordo.”
Se a ambição não aumentar substancialmente em, no máximo, dez anos, porém, o planeta já estaria muito distante da trajetória de segurança traçada pelo DDPP.