No ano passado, o governo anunciou que deixaria de repassar verbas para a modalidade das farmácias públicas.
Quase 25% da população brasileira consome medicamentos da Farmácia Popular. Milhões de brasileiros são atendidos pelo programa, criado para cumprir uma das principais diretrizes da Política Nacional de Assistência Farmacêutica: dar à população o acesso a medicamentos considerados essenciais, utilizando ou não o Sistema Único de Saúde (SUS).
O programa teve início em 2004, com farmácias públicas de distribuição de medicamentos. A partir de 2006, com o nome Aqui Tem Farmácia Popular, expandiu-se para o setor privado, por meio de parcerias com os estabelecimentos.
No ano passado, o governo anunciou que deixaria de repassar verbas para a modalidade das farmácias públicas.
No entanto, para garantir a continuidade do programa, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) apresentou um projeto de lei (PLS 661/2015).
Interromper o tratamento pode ser mais oneroso para o Estado, pois as pessoas, para manterem a saúde estável, teriam que comparecer mais aos hospitais, gerando mais filas e custos.
Quando apresentei esse projeto, o Brasil estava no auge de uma crise, e não podemos permitir que incertezas econômicas e políticas coloquem o Farmácia Popular em risco.
O programa atualmente é instituído e regulado por meio de decretos e portarias, que podem ser modificados ou revogados pelo Executivo a qualquer tempo, mesmo sem anuência do Congresso — explica o autor.
Histórico O programa foi criado com o objetivo de diminuir o impacto causado pelos gastos com medicamentos no orçamento familiar.
No início, o governo desenvolvia parceria com as prefeituras municipais, que recebiam uma verba do Ministério da Saúde para montar a estrutura física da farmácia pública e contratar funcionários.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) distribuía os remédios. O modelo chegou a ter mais de 500 unidades.
A expansão para o Aqui Tem Farmácia Popular ocorreu sem a participação da Fiocruz. As farmácias particulares distribuem de forma subsidiada ou gratuita o medicamento para oito doenças crônicas.
Em 2011, passaram a ser contemplados também remédios gratuitos para diabetes e hipertensão, que hoje são os mais retirados.
A justificativa do governo para o fim do repasse de verbas ao Farmácia Popular é a constatação de que o gasto com a compra de medicamentos representava apenas 20% do orçamento das farmácias públicas.
O restante era destinado à manutenção dessas unidades, presentes em menos de 1% dos municípios.
A coordenadora do programa no Ministério da Saúde, Cleonice Lisbete Gama, explicou que os recursos continuam a ser investidos na distribuição gratuita de remédios.
Os pacientes recebem os medicamentos pela atenção básica dos municípios (as farmácias básicas do SUS, para pacientes da rede pública) e no Aqui Tem Farmácia Popular (paciente do SUS ou não).
Sobre as divergências em relação aos custos, Raimundo Lira considera que as regras da aquisição dos medicamentos poderão ser alteradas pelo governo, para reduzir custos de manutenção, mas o programa precisa ser mantido.
Atualmente, por meio do Aqui Tem Farmácia Popular, a população pode adquirir 14 medicamentos para hipertensão, diabetes e asma, sem custo.
Além disso, são ofertados descontos de até 90% em 11 medicamentos para rinite, dislipidemia, mal de Parkinson, osteoporose e glaucoma, além de contraceptivos e fraldas geriátricas.
Em média 9,8 milhões de pacientes retiram por mês medicamentos na rede Aqui Tem Farmácia Popular, que hoje conta com quase 35 mil unidades credenciadas e está presente em aproximadamente 80% dos municípios.
Para retirar os medicamentos, o cidadão deve apresentar identidade, CPF e receita médica, emitida por médico da rede pública ou de instituição privada, dentro do prazo de validade.
Em fevereiro de 2016, a validade da receita foi ampliada para 180 dias. Antes, era de 120 dias, com exceção dos pedidos para anticoncepcionais, que permanecem com validade de um ano.
Impasses
O programa Aqui Tem Farmácia Popular custa quase R$ 3 bilhões e se tornou a maior política de assistência farmacêutica do governo federal, superando, inclusive, a soma dos investimentos nas farmácias básicas do SUS.
O professor Augusto Guerra, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirmou em audiência na Câmara dos Deputados que oferecer recursos para medicamentos nas redes pública e privada torna a distribuição de remédios ineficiente e, num futuro próximo, escassa. É preciso escolher o melhor entre esses dois modelos de financiamento.
Para Francisco Batista Junior, do Conselho Federal de Farmácia, compras feitas em larga escala asseguram preços mais baixos e permitem a transparência da licitação, além do fortalecimento do sistema público.
O programa cumpre seu papel de garantir à população acesso aos medicamentos, mas é efetuado de forma dispendiosa. Devemos nos perguntar se o programa está sendo executado da forma mais adequada.
O economista e professor da PUC-RJ Pedro Américo Ferreira, em sua dissertação de mestrado, mostra que cada R$ 1 gasto no Farmácia Popular permite uma economia aos cofres públicos de R$ 16 com internações. O estudo ganhou o prêmio BNDES de Economia de 2016 (veja no Saiba Mais).
Cleonice acrescenta que o foco do programa são medicamentos de uso contínuo, e a distribuição gratuita permite que o paciente não interrompa o tratamento. Segundo o estudo de Ferreira, pacientes que cumprem mais de 80% do tratamento farmacológico têm menor risco de hospitalização do que os com menor adesão.
Cinco milhões de cidadãos com 60 anos ou mais são atendidos pelo programa a cada mês. Entre eles, o aposentado Jose Eliziário de Sousa e a esposa, Conceição, que usam remédios para doença de Parkinson e diabetes.
Sem o Farmácia Popular, não teríamos como dar continuidade aos tratamentos — diz ele.
Valores
O Ministério da Saúde tem negociado com a indústria farmacêutica e o setor de drogarias para chegar a um acordo sobre o valor do medicamento que é pago pelo Aqui Tem Farmácia Popular. Segundo o governo, os valores pagos pelos produtos de asma, hipertensão e diabetes estão em média 30% acima dos praticados pelo mercado.
O custo da insulina, por exemplo, com a transferência de tecnologia, os impostos e a logística, chega a R$ 10 para os laboratórios. No âmbito do programa, o desembolso é de R$ 27,50.
Os preços praticados na venda para o Ministério da Saúde obedecem às regras da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos.
Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do DF (Sincofarma), Messias Vasconcelos, o governo faz repasses baixos para o varejo.
Caso o subsídio repassado realmente sofra alteração, a parceria não se tornará viável. Nas negociações devem ser consideradas a grande variedade de produtos e marcas atendidas pelo programa e a realidade tributária brasileira, que faz com que grande parte dos ganhos sejam corroídos.
O ministério diz que o objetivo da negociação é dar maior eficiência ao uso de recursos públicos e garantir que não haja ônus para o SUS, além de ampliar a oferta de produtos e serviços da rede de saúde.