Ao longo da última década, fomos inundados por relatos frequentes de águas-vivas invadindo praias em todo o mundo e provocando problemas graves em usinas de geração de energia - o que deu origem a uma especulação de que esses animais estariam prestes a tomar conta dos oceanos.
Qualquer pessoa que já tenha testemunhado um surto desses cnidários pode entender os motivos do alarme. E, de fato, muitos cientistas defendem que as populações de águas-vivas estão aumentando globalmente, com "explosões" em certas regiões do planeta ou certas épocas.
No entanto, a ideia de que esses animais estariam tomando conta dos oceanos parece não ter fundamentos, segundo uma pesquisa recentemente publicada pela revista Global Ecology and Biogeology, que aponta que problemas na metodologia de estudos anteriores podem ter gerado esse pânico.
Empenhados em descobrir o que estaria por trás da especulação sobre o possível "apocalipse das águas-vivas", a bióloga Marina Sanz-Martín e seus colegas do Instituto Mediterrâneo de Estudos Avançados, na Espanha, analisaram a literatura científica sobre surtos desses animais desde antes de 2012.
Quando examinou mais profundamente as fontes usadas pelos pesquisadores para fundamentar seus argumentos, Sanz-Martín descobriu que muitos não estavam bem embasados.
"Há uma tendência de um artigo acabar validando e dando solidez a outro anterior apenas por citá-lo. Isso significa que algumas descobertas são exageradas ou até distorcidas de uma pesquisa para a outra", afirma a cientista.
Segundo ela, praticamente metade dos estudos analisados citavam outros artigos de maneira incorreta, mas um deles se mostrou particularmente sujeito a falhas de interpretação.
Excesso de estudos?
Esse estudo foi publicado em 2011 pela cientista Claudia Mills, ligada à Universidade de Washington, e teve um enorme impacto na área da biologia das águas-vivas.
No artigo, Mills questionava se o mundo estaria às vésperas de um surto global desses animais. Sem uma resposta definitiva, ela deu ao texto o título: "As populações de águas-vivas estão aumentando globalmente em resposta às mudanças nas condições dos oceanos?".
Sem se aprofundarem, muitos cientistas que acabaram citando Mills posteriormente assumiram que seu artigo defendia que "sim". Anos depois, em um congresso sobre surtos de águas-vivas na Califórnia, a cientista pode testemunhar o impacto de seu trabalho.
"A maioria dos presentes acreditava que as populações estavam aumentando. Foi um choque perceber que nenhum deles se dignou a ler meu artigo, que na realidade era bem equilibrado", disse.
Para Sanz-Martín, a própria quantidade de estudos disponíveis pode ser uma das causas do problema. "É muito difícil lidar com tanta informação e conseguir um equilíbrio de argumentos", explica.
Além disso, cientistas precisam competir por financiamentos para pesquisas e isso acaba criando uma pressão para que eles sejam mais determinados na defesa de suas teses.
A bióloga acredita que sem estudos subsequentes é impossível assegurar quais os fatores que acabam induzindo ao erro.
O problema não está restrito à biologia das águas-vivas. Um estudo de 2010 descobriu que 25% das citações que aparecem em artigos de biologia marinha são distorcidos ou mal interpretados. Até outras áreas, como a administração, parecem afetadas pela prática.
Mas o que tudo isso significa em termos da "invasão" de águas-vivas nos oceanos? As descobertas de Sanz-Martín não significam necessariamente que as populações não estejam aumentando. O que elas dizem é que a maior parte das evidências que existem hoje não é confiável.
Em outras palavras, estamos praticamente voltando à estaca zero.