Trabalhadores dormiam em barracos de lona, não tinham água potável e precisavam caçar o próprio alimento.
Em situação de trabalho parecido com escravidão, sete paraguaios foram resgatados em uma fazenda, durante operação na cidade de Bela Vista, a 324 quilômetros de Campo Grande. Os homens dormiam em barracos de lona, sem água potável e alimentação, em situação degradante de higiene e ausência de qualquer vínculo empregatício. A empresa foi notificada e deverá se regularizar.
O resgate dos trabalhadores foi possível depois de denúncia anônima que chegou ao MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul), que atuou em parceria com a Fiscalização do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, do Governo Federal, e a PMA (Polícia Militar Ambiental).
Na última quarta-feira (16), as equipes foram ao local e constataram as irregularidades. A apuração apontou que os trabalhadores foram recrutados em Bella Vista Norte, no Paraguai, por intermédio de um brasileiro, contratado, por sua vez, pelo gerente da fazenda. A função dos paraguaios era erguer postes e cercas.
O brasileiro recebia uma remuneração fixa, mais adicional de produtividade por poste e por esticador concluído. Ele também era o responsável por efetuar o pagamento das diárias aos trabalhadores paraguaios, sempre em espécie, e sem qualquer emissão de recibo.
Degradante - Desde julho do ano passado, o grupo dormia em um barraco de lona, sem água potável, alimentação, energia elétrica, banheiros ou chuveiros. De segunda-feira a sábado, durante o dia, exerciam a função de cerqueiro, erguendo os postes e cercas, para a qual foi ajustado o pagamento R$ 80 por dia de trabalho.
Aos domingos, segundo as declarações coletadas pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes, os trabalhadores retornavam à cidade, enquanto o gerente da fazenda fiscalizava o andamento do serviço.
As necessidades fisiológicas, segundo um dos trabalhadores, eram realizadas no mato, e para o banho, gelado, era utilizado um balde improvisado. A água disponibilizada vinha de um poço artesiano da fazenda. Como não era fornecida alimentação pelo empregador, eles sobreviviam à base de animais de caça, que eram salgados e preparados ali mesmo no barraco, em fogareiros artesanais.
Risco - Este mesmo trabalhador operava uma motosserra, sem ter recebido treinamento para exercer a função, e sem o fornecimento do EPI (Equipamento de Proteção Individual) adequado. Os cerqueiros também não passaram por qualquer tipo de exame admissional, a fim de assegurar que possuíam as condições físicas e psicológicas para assumir o trabalho.
Para completar, no último dia 12 de março, o gerente da fazenda solicitou ao intermediador a dispensa de dois dos cerqueiros, sob a justificativa de necessidade de redução da equipe. Eles receberam as diárias trabalhadas, mas não as verbas rescisórias a que teriam direito, como férias proporcionais, 13º salário ou FGTS.
Reparação - Segundo o MPT-MS, em audiência administrativa realizada na quinta-feira (17), representantes da propriedade rural foram instruídos quanto às obrigações legais para contratação e etapas de regularização do pagamento das verbas rescisórias devidas aos trabalhadores paraguaios.
Ficou estabelecido que o montante deverá ser pago até o próximo dia 25 de março, conforme planilha da Fiscalização do Trabalho, mediante transferência, no caso dos trabalhadores que forneceram as contas bancárias, e pagamento em espécie para os trabalhadores impossibilitados de manter vínculo com instituição financeira, já que não dispõem de documento migratório. Neste último caso, o pagamento deverá ser realizado na presença de auditores-fiscais do trabalho.
Além disso, o empregador terá prazo de 30 dias, a contar da data da audiência, para que seja formalizado o vínculo de emprego dos sete trabalhadores, com data de admissão retroativa ao início da execução das atividades, e a realização dos atestados demissionais, mantido o vínculo caso o exame aponte inaptidão para o trabalho.
O mesmo prazo foi aplicado pelo MPT para que seja providenciado alojamento adequado àqueles que desejarem prosseguir trabalhando na propriedade, observando a norma regulamentadora que estabelece as normativas relacionadas à saúde e segurança em atividades agropecuárias, a NR-31.
Trabalho escravo - Os flagrantes de trabalho escravo são frequentes nesta região do Estado, que abarca municípios marcados por desigualdades de desenvolvimento humano, renda, e pela baixa oferta de postos de trabalho.
Das 12 operações de resgate realizadas em Mato Grosso do Sul nos anos de 2020 e 2021, metade delas ocorreu em propriedades rurais da localidade, nas cidades de Porto Murtinho, Antônio João, Ponta Porã e Itaquiraí, conforme levantamento da Fiscalização do Trabalho.
O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas do MPT também destaca outro município, Iguatemi, onde 624 pessoas foram resgatadas em condições degradantes de trabalho, entre 1995 e 2020.
Para o trabalho ser caracterizado como análogo ao de escravo, basta se constatar a prática de um destes elementos: submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes ou a servidão por dívida.