Nas últimas semanas, o mundo foi palco de terríveis ataques terroristas realizados por extremistas islâmicos em países como a Nigéria (o massacre em Baga) e França (o atentado ao satírico Charlie Hebdo). Tais eventos trouxeram à tona questionamentos sobre o papel da religião nos conflitos armados que hoje devastam diferentes regiões do planeta.
Afinal de contas, a religião é a principal causa das brigas do mundo? A resposta é não, segundo um levantamento recente realizado pelo Institute for Economics and Peace (IEP), entidade internacional que se dedica aos estudos sobre a paz e uma das consultoras da Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com o estudo, 30 dos 35 conflitos armados registrados no planeta em 2013 até contam com elementos religiosos como uma de suas causas. Contudo, eles não são o motivo principal: 86% dos confrontos estouraram pela influência de mais de uma razão como a oposição ao governo ou oposição ao sistema econômico, ideológico, político ou social daquele país.
De fato, explica a pesquisa, foi constatado que 15 casos tiveram como causa as tentativas de mudar o sistema vigente de governo para um sistema islâmico. Portanto, as motivações por trás destes casos são consideradas pelo IEP como de cunho religioso e também de caráter opositor.
“Curiosamente, a religião por si só não foi a única causa de sequer um conflito armado em 2013”, avaliou o IEP. De acordo com a pesquisa, conflitos com elementos religiosos são aqueles nos quais uma das principais partes envolvidas alega filiação a uma religião específica ou nos quais é evidente a tensão entre grupos religiosos.
Segundo a entidade, o objetivo do estudo é o de responder as cinco perguntas consideradas as mais frequentes sobre a relação entre conflitos armados e religião. A ideia é a de desmistificar conceitos que invariavelmente ligam uma coisa a outra.
Para determinar quais seriam estas questões, o IEP analisou os tópicos de discussão e as opiniões mais comuns sobre o tema na imprensa internacional. Na visão da entidade, conflitos armados são eventos nos quais “o uso contínuo e organizado da força causa no mínimo cem fatalidades em um ano ou tem um sério impacto na segurança, infraestrutura ou recursos naturais e com objetivos”.
Confira abaixo as outras quatro perguntas respondidas pela análise da entidade.
A proporção de pessoas religiosas ou ateias determina a paz em um país?
Não há dados que comprovem a ligação entre a presença de religião, ou a falta dela, em um país e os conflitos armados, responde a entidade. “Entre os dez países mais pacíficos do mundo, três podem ser descritos como muito religiosos. E, entre os dez mais violentos, dois são pouco religiosos”.
Em países muçulmanos, a quantidade de sunitas ou xiitas determina a paz?
Segundo o estudo, apesar do aparente papel de sunitas e xiitas em instabilidades no Oriente Médio, no âmbito global, os países nos quais um ou outro é a maioria não são necessariamente violentos e conflituosos.
O IEP não nega que tensões entre sunitas e xiitas são algumas das razões para a violência na região, mas enfatiza que a paz entre eles não é inevitável. De acordo com os analistas, o que é ainda mais determinante para um clima de estabilidade são fatores como o baixo nível de corrupção, um governo bem estruturado e boas relações com os países vizinhos.
A religião é importante para entender o que leva um país a paz?
De acordo com o IEP, análises revelam que há uma consistente relação entre corrupção, desigualdades econômicas e instabilidades políticas com o grau de violência interna de um país. E são estes os fatores mais importantes a serem avaliados quando se investiga o que é que leva uma população para uma situação de conflito.
Contudo, explica a pesquisa, há duas características religiosas que também estão fortemente associadas aos níveis de paz: as restrições a uma prática religiosa ou possíveis hostilidades contra um grupo religioso.
A religião pode ter um papel positivo na construção da paz?
A pesquisa reconhece que existe um debate sobre os impactos negativos da religião na construção de um ambiente de estabilidade. Mas enfatiza que é preciso enxergar o potencial positivo que a religião pode ter na construção da paz. “A religião pode atuar como uma forma de coesão social e, com o envolvimento das comunidades, ajuda a fortalecer os laços entre os cidadãos”, considerou o IEP.
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