Acidente aéreo matou o advogado Marco Túlio Murano Garcia e o piloto Genesis Pereira da Silva em dezembro de 2014. Processo se arrasta na Justiça.

Acidente aéreo que matou piloto e advogado de MS termina em denúncia por uso de peças sucateadas
Avião destruído na queda. / Foto: Reprodução, Ministério Público

Há quase 10 anos, o trágico acidente aéreo com o avião CESSNA U-206F, de prefixo PT-JSM, ceifava a vida do advogado Marco Túlio Murano Garcia e do piloto Genesis Pereira da Silva, na zona rural de Jaraguari, a 25 quilômetros de Campo Grande.

Desde então, o caso segue na Justiça para a responsabilidade da queda diante da suspeita de uso de peças sucateadas na manutenção da aeronave — que já havia sofrido acidente em 2005.

As investigações culminaram no indiciamento de Arlindo Dias Barbosa e Francisco Pereira da Silva, por entender que expuseram a aeronave a perigo, se do fato resulta a queda ou destruição de aeronave, com pena de reclusão de 4 a 12 anos, além de multa, se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem econômica, para si ou para outrem — conforme aponta o artigo 261, parágrafos 1º e 2º do Código Penal.

A investigação também enquadrou os indiciados no artigo 258 do Código Penal. O trecho determina aumento da pena se de um “crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave”.

Antes da denúncia, o promotor de Justiça Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, em março deste ano, já havia requerido que o inquérito fosse redistribuído a uma das “Varas Criminais residuais, com a consequente remessa a uma das Promotorias de Justiça Criminais”. Isso porque elementos do caso indicam que não há crime doloso contra a vida, mas, em tese, que o acidente aéreo seria sinistro aéreo qualificado pelo resultado morte.

Denúncia, incompetência no julgamento e recurso
A denúncia sobre o acidente aéreo ocorreu em maio, assinada pelo promotor de Justiça da 61ª Promotoria de Campo Grande, Silvio Amaral Nogueira de Lima.

Contudo, o Juízo da 5ª Vara Criminal Residual de Campo Grande, Waldir Peixoto Barbosa, reconheceu incompetência para processamento e julgamento do caso, sob o argumento de que o crime denunciado ocorreu em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, determinando a remessa dos autos à Justiça Federal, mencionando o artigo 109 da Constituição Federal.

Com isso, o Ministério Público recorreu da decisão de primeiro grau, em julho, alegando que o aeroporto do qual a aeronave do acidente decolou tinha jurisdição da Infraero, o que descaracterizaria, em resumo, a competência federal. Além disso, o Parquet apontou precedente julgado no STF (Supremo Tribunal Federal), no qual matéria semelhante teve julgamento em instância estadual.

A ação está em prazo para distribuição ao 2º grau no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Acidente aéreo sem sobreviventes
O acidente aéreo aconteceu no dia 6 de dezembro de 2014, às 7h. A aeronave decolou do aeroporto Santa Maria com destino à Aquidauana. Apenas Marco e o piloto Genesis estavam a bordo. Pouco depois, a Base Aérea de Campo Grande recebeu informação de que o avião caiu em uma fazenda na saída de Cuiabá, próximo à BR-163. As vítimas não sobreviveram e morreram por politraumatismo.

O inquérito policial foi instaurado no dia 10 dezembro do mesmo ano como morte a esclarecer e investigado pela Decco (Delegacia Especializada em Combate ao Crime). A conclusão foi que o acidente teve causa relacionada ao sucateamento de peças usadas na manutenção do veículo.

A mesma aeronave, CESSNA U-206F, prefixo PT-JSM, havia sofrido um acidente em 2005. Durante o procedimento de decolagem a aeronave perdeu tração e veio a solo, caindo nas proximidades do eixo da pista e chocando-se contra algumas árvores, causando vários graves danos a sua estrutura, sobretudo em sua asa esquerda, com fratura da longarina no setor mediano após o montante e consequente reflexo nos setores de fixação da peça. O destino seria de Campo Grande a Corumbá.

Peças seriam sucatas
Nenhum ocupante morreu, mas sofreram graves ferimentos. Na época, o Corpo de Bombeiros realizou o atendimento. Após o acidente, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) suspendeu o seu certificado de aeronavegabilidade, em razão dos danos constatados.

Posteriormente, devido ao tempo decorrido com o certificado de aeronavegabilidade suspenso, houve o cancelamento definitivo.

Entretanto, o proprietário do hangar comprou as peças sucateadas da primeira proprietária por R$ 30 mil. O inquérito ressalta que mecânicos contratados alertavam sobre a “perda total” das peças e que eram irreversíveis.

“Assim, tendo em vista a competência constitucional do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida, o que não ocorre no presente caso, este Juízo é incompetente para a sua apreciação”.

A queda

A aeronave caiu próximo a um tronco seco de árvore. A perícia encontrou pedaços de madeira dentro da asa direita, ao redor dos destroços e junto ao corpo do piloto. A paste distal da asa esquerda (ponta) apresentava avarias condizentes com a fratura em voo, justificando o giro anti-horário na queda.

O acabamento da ponta da asa foi encontrado afastado do corpo da aeronave. Os bordos de ataque das asas estavam amassados praticamente vertical com o solo, excetuando a ponta da asa esquerda, onde o aileron, oposto ao bordo, estava amassado pela colisão.

Segundo o laudo, a aeronave sofreu uma fratura da ponta da asa esquerda durante o voo, o que causou a perda de sustentação e fez o avião a iniciar um processo de rolagem involuntário para a esquerda — uma queda compatível com espiral anti-horário até o impacto no solo, resultando no acidente aéreo.

Peças sucateadas

O inquérito da Decco indica que as peças do avião estão comprometidas desde a primeira queda, em Corumbá. A perícia da parte da coluna de sustentação da asa esquerda apresentava anormalidade.

“A peça apresentava sinais de reparos em sua estrutura feitos em época anterior ao acidente. Foram verificados vestígios de desmontagem e montagem das chapas onde os furos de ficção dos rebites não coincidiram e ficaram muito próximas, fragilizando a estrutura da peça”, descreve o relatório.

Uma das barras de sustentação apresentava sinais de solda, o que é proibido na manutenção. Tal solda causou realinhamento de material e a formação de gases, consequentemente, bolhas de metal, reduzindo drasticamente a resistência do material.

Responsabilização
Aliás, o processo também menciona a experiência do piloto e conhecimento sobre aeronáutica do advogado. O Ministério Público cita a responsabilização pelo crime de segurança de transporte aéreo o dono do hangar, que teria comprado as peças, e o mecânico da aeronave. Contudo, o pedido ainda aguarda manifestação da União para procedência do julgamento.