Quase um ano depois da sua aprovação, em Paris, o primeiro acordo vinculante contra as mudanças climáticas que envolve todo o planeta entra oficialmente em vigor nesta sexta-feira (4), mas resta um longo caminho a percorrer para que ele realmente produza efeitos.
O Acordo de Paris, que é destinado a substituir o Protocolo de Kioto em 2020, é o primeiro pacto universal para tentar combater a mudança climática. Ele tem como objetivo manter o aumento da temperatura média mundial "muito abaixo de 2°C", mas "reúne esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C", em relação dos níveis pré-industriais.
O acordo foi aprovado por aclamação por representantes de 195 países na COP 21, em dezembro de 2015.
A entrada em vigor ocorre às vésperas da 22ª Conferência da ONU sobre o Clima, que começará na segunda-feira (7) na cidade marroquina de Marrakesh. Um total de 92 países já ratificaram (aprovaram internamente) o Acordo de Paris.
O limite mínimo de 55 países que representam 55% das emissões mundiais de gases do efeito estufa -- necessário para que o acordo entrasse em vigor -- foi atingido antes do que os especialistas esperavam.
No entanto, a ONU advertiu nesta quinta-feira, como informa a agência AFP, que o planeta deve reduzir "de maneira urgente e radical" suas emissões de gases do efeito estufa para evitar uma "tragédia humana".
"Se não começamos a adotar medidas adicionais a partir de agora, a partir da conferência de Marrakesh, terminaremos chorando ante uma tragédia humana evitável", declarou Erik Solheim, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que publicou seu relatório anual sobre a ação climática global.
Entre os principais países emissores, a Rússia ainda não indicou quando ratificará o acordo. Na Austrália e no Japão, o processo já está em andamento, e na Europa, Polônia, Bélgica, Itália e Espanha ainda devem ratificá-lo em nível nacional.
Na América Latina, Argentina, Brasil, México, Peru, Costa Rica, Bolívia, Honduras e Uruguai também ratificaram o acordo, entre outros.
"É importante manter a dinâmica de Paris e não se limitar a se parabenizar pela sua mera entrada em vigor", alertou Alden Meyer, especialista da organização americana Union of Concerned Scientists.
Imprecisões
Os negociadores ainda têm trabalho pela frente, porque o texto acordado por consenso em Paris tem muitas imprecisões que devem ficar claras.
"A COP22 deve ser uma conferência de ação e implementação", afirma Tosi Mpanu-Mpanu, porta-voz do grupo de países menos desenvolvidos.
Entre os temas que devem avançar estão a definição das regras de transparência (verificação dos compromissos nacionais), o aumento da ajuda financeira aos países em desenvolvimento, a assistência técnica para a criação de políticas de desenvolvimento "limpo" (energias renováveis, transportes e residências que consomem menos energia, novas práticas agrícolas, etc), e a apresentação de metas nacionais para 2050.
"O mais importante que estará em jogo em Marrakesh é chegar a um acordo sobre uma data limite para decidir as regras de aplicação do Acordo, especialmente as regras de transparência", afirma Laurence Tubiana, a negociadora francesa, acrescentando que "2017 não seria realista, mas 2018 é possível".
As regras de transparência se referem às informações que os países deverão fornecer sobre as medidas adotadas para limitar suas emissões, assim como o avanço das ajudas financeiras públicas.
Paralelamente a uma maior transparência, o acordo se baseia no reforço dos planos de ação de cada país, que vão até 2025 ou 2030.
Ajuda aos mais pobres
O conjunto dos compromissos atuais coloca o planeta em uma trajetória de +3°C, um limiar que implica consequências mais graves que o aumento de 2ºC (meta prevista no acordo), já em si causador de uma agudização dos fenômenos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, inundações e elevação do nível do mar.
"Cada país deve fazer mais, não se pode esperar até 2025 ou 2030", adverte Laurence Tubiana que, como outros especialistas, defende que haja objetivos nacionais mais ambiciosos até 2020.
A questão da ajuda aos países em desenvolvimento continuará sendo um assunto delicado. Dos US$ 100 bilhões prometidos anualmente até 2020, US$ 67 bilhões de fundos públicos já foram anunciados, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Espera-se novos anúncios destinados aos países mais pobres, "que carecem de recursos e conhecimentos para se protegerem de maneira adequada dos efeitos devastadores", destaca Tosi Mpanu-Mpanu.
Por outro lado, em Marrakesh serão medidos os avanços realizados por algumas das 70 coalizões lançadas na COP21 (aliança solar, inovação, práticas agrícolas, sistemas de alerta etc).
Os países africanos esperam muito da Iniciativa para as energias renováveis e dos 10 bilhões prometidos para promover energias verdes no continente.
VEJA PRINCIPAIS PONTOS DO ACORDO DO CLIMA
- Países devem trabalhar para que o aquecimento fique muito abaixo de 2ºC, buscando limitá-lo a 1,5ºC
- Países ricos devem garantir financiamento de US$ 100 bilhões por ano
- Não há menção à porcentagem de corte de emissão de gases-estufa necessária
- Texto não determina quando emissões precisam parar de subir
- Acordo deve ser revisto a cada 5 anos
Acordo inédito
O acordo de Paris foi a primeira vez que se atingiu um consenso global, em um acordo em que todos os países reconhecem que as emissões de gases do efeito estufa precisam ser desaceleradas e, em algum momento, comecem a cair.
Cientistas criticaram a ausência de metas específicas de cortes de emissão para períodos de longo prazo – de 2050 --, mas o acordo deixa em aberto a possibilidade de que essas sejam estabelecidas posteriormente, com "a melhor ciência possível".
O tratado não determina com precisão até quando as emissões precisam parar de subir e começar a cair, mas reconhece o pico tem de ocorrer logo. "As partes do acordo visam atingir um pico global nas emissões de gases de efeito estufa assim que possível, reconhecendo que o pico levará mais tempo para países em desenvolvimento", diz o texto.
O documento ainda conclama os países a "adotarem reduções rápidas a partir de então, de acordo com a melhor ciência disponível, de modo a atingir um equilíbrio entre as emissões antropogênicas por fontes [queima de combustíveis fósseis] e pela remoção por sorvedouros de gases de efeito estufa na segunda metade deste século".
Também está incluído o compromisso de países ricos de garantirem um financiamento de ao menos US$ 100 bilhões por ano para combater a mudança climática em nações desenvolvidas a partir de 2020, até ao menos 2025, quando o valor deve ser rediscutido.
Revisão periódica
O acordo também inclui um mecanismo para revisão periódica das promessas nacionais dos países para rever suas metas de desacelerar as emissões do efeito estufa, que não atingem hoje nem metade da ambição necessária para evitar o aquecimento de 2°C.
Tanto o financiamento quanto a ambição terão de ser revistos de cinco em cinco anos. A primeira reunião para reavaliar o grau de ambição dos cortes é prevista para 2023, mas em 2018 deve ocorrer um encontro que vai debate-las antecipadamente.
A medida é importante, porque as atuais promessas de redução de emissões, conhecidas como INDCs (Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas), ainda não são suficientes para barrar o aquecimento em 2°C. No novo acordo, as INDCs perderam o “I” (de “intended”, ou pretendidas), porque agora não devem mais ser uma intenção, e sim um compromisso.
Compensações
Outro ponto crucial do acordo foi o estabelecimento de um mecanismo de compensação por perdas e danos causados por consequências da mudança climática que já são evitáveis. Muitos países pobres e nações-ilhas cobravam um artigo especial no tratado para isso, e foram atendidos.
Países emergentes lutaram muito durante as negociações contra que fossem obrigados a dar contribuições junto com países ricos. No final, a obrigação ficou apenas com países ricos. "Países desenvolvidos parte do acordo devem fornecer recursos financeiros para auxiliar países em desenvolvimento com relação a mitigação e adaptação", diz texto do acordo. "Outras partes são encorajadas a prover e continuar a prover tal suporte voluntariamente."
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