Os nomes soam tão diferentes quanto o gosto da maioria desses alimentos seria para o nosso paladar: araticum, jaracatiá, grumixama, cambuci, licuri.
Mas apesar da estranheza inicial, esses ingredientes são tipicamente brasileiros. E correm risco: são parte de um catálogo mundial de alimentos que correm o risco de extinção.
Somente no Brasil, a lista - chamada de "Arca do Gosto" - tem mais de cem espécies. A relação é elaborada de forma colaborativa pela organização Slow Food, criada em 1989 para prevenir o desaparecimento de culturas e tradições gastronômicas em várias partes do mundo.
Para que um produto entre na lista dos "ameaçados" há alguns critérios básicos, como as qualidades gastronômicas especiais, a ligação com a geográfica local, produção artesanal, ênfase na sustentabilidade e risco de extinção.
Além dos menos conhecidos, há produtos bem populares da mesa dos brasileiros, como a jabuticaba, o queijo da Canastra e o pinhão.
Para o biólogo Gleen Makuta, do do Slow Food Brasil, o desaparecimento gradual desses ingredientes se deve à padronização da alimentação.
"Cerca de 90% da dieta do mundo todo está pautada em vinte ingredientes, sendo os três maiores milho, arroz e batata. Então são alimentos que estão muito difundidos, são produzidos em escala massiva e isso faz com que outros ingredientes percam o valor econômico e não consigam acessar o mercado", afirma.
"Isso faz com que todo o conhecimento atrelado a esses ingredientes vá se perdendo. É uma extinção tanto biológica como cultural."
Apesar do risco de desaparecimento, todos os ingredientes da lista ainda se encontram vivos, com potencial produtivo e comercial. Mas poucos chegam à mesa dos brasileiros.
Para a mesa
Justamente pensando em aproximar esses alimentos da refeição do dia a dia e da mesa dos brasileiros, a chef de cozinha Claudia Mattos fundou, ao lado de outros chefs, a Aliança dos Cozinheiros para o Brasil, uma rede que promove e a biodiversidade agroalimentar e procura trabalhar com ingredientes locais.
"O Brasil consome e conhece muita coisa de fora - fungui seco e caviar, por exemplo -, mas não conhece produtos nossos, como cambuci, baru, entre tantos outros."
O grupo promove eventos como o Festival Arca do Gosto, que reúne nomes da gastronomia para elaborar pratos e receitas com esses alimentos.
Em São Paulo, há uma edição especial somente com produtos do Sudeste, que reúne cerca de 30 chefs e que vai até novembro.
Claudia Mattos afirma que, nesses casos, o trabalho é quase didático.
"É um projeto desafiador, tem que ser didático, explicar o alimento, de onde ele vem quais os benefícios, aromas, como e se prepara cada um deles porque as pessoas não têm ideia nem de onde encontrar alguns ingredientes. Os chefs podem ajudar muito", conta.
Mesmo para quem já trabalha em cozinha, alguns dos ingredientes são uma novidade.
"É muito fácil fazer mousse com laranja ou morango porque é conhecido, e o resultado muito tranquilo, Mas criar um prato com ingredientes que você não sabe nem como se comportam, se tem que deixar de molho, se tem que assar, cozinhar, se faz ele doce ou salgado é desafiador e trabalhamos na base da experimentação", conta.
A intenção dos chefs é estimular o consumo desses produtos ao apresenta-los para o público geral e incentivar os agricultores.
"Quem trabalha com esse tipo de alimento preserva também a biodiversidade, os ingredientes autóctones. Todo trabalho é por isso, nós somos coprodutores, não adianta todo mundo produzir cebola orgânica porque todo mundo tem. Então é preciso diversificar", conta.
"Há pouco tempo, ninguém conhecia cambuci, taioba, ora-pro-nobis, e hoje vários restaurantes já usam esses ingredientes."
Conhece algum ingrediente com risco de extinção na sua região? Você pode contribuir para a Arca do Gosto - uma comissão vai avaliar sua indicação.
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