Uma parcela significativa dos casos de câncer de mama triplo negativo identificados no Brasil pode ser hereditária.

Por isso, os familiares das pacientes diagnosticadas com esse subtipo de câncer de mama muito associado a mutações no gene BRCA1 – como a atriz norte-americana Angelina Jolie recentemente descobriu possuir – apresentam risco de desenvolver a doença.

As constatações são de uma pesquisa feita no Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo Cancer com apoio da FAPESP.

Resultados do trabalho foram apresentados em uma sessão sobre pesquisas em câncer durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil, realizada entre os dias 12 e 13 de maio, em São Paulo.

“Identificamos que um percentual importante dos tumores de mama triplo negativo apresenta mutações patogênicas no gene BRCA1 e a maioria é de origem germinativa [podem ser transmitidos para os descendentes]”, disse Dirce Maria Carraro, líder do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo Cancer Center e coordenadora do estudo.

“Isso os classifica como tumores hereditários e a família das pacientes diagnosticadas tem risco de desenvolver câncer de mama”, avaliou.

De acordo com Carraro, o câncer de mama triplo negativo é bastante agressivo e corresponde a, aproximadamente, 20% dos casos de câncer de mama. Esse subtipo de câncer de mama está muito associado com mutações no gene BRCA1.

“Dados da literatura mostram que entre 60% e 80% das mulheres que apresentam mutação no gene BRCA1 desenvolvem câncer de mama triplo negativo e entre 8,5% e 30% das pacientes diagnosticadas com esse subtipo de tumor têm mutação nesse gene independentemente do histórico familiar de câncer”, disse Carraro.

Um estudo realizado em 2013 pela equipe da pesquisadora e colaboradores com um grupo de mulheres com câncer de mama com menos de 35 anos, atendidas no A.C.Camargo e em outras instituições, indicou que 50% das mulheres com tumores triplo negativo apresentavam mutações germinativas no gene BRCA1.

“Essa descoberta nos motivou a estudar um número maior de pacientes a fim de identificar qual a frequência real de mutações no gene BRCA1 em casos de câncer de mama triplo negativo no Brasil e a natureza dessa mutação: se é germinativa ou somática [presente apenas nos tecidos tumorais, e não em todas as células das pacientes], disse Carraro.

Para isso, a pesquisadora e colaboradores realizaram um estudo em que fizeram uma triagem de mutações no gene BRCA1 de 131 tumores de mama triplo negativo por meio do sequenciamento do gene a fim de identificar mutações pontuais.

Os pesquisadores identificaram mutações no gene BRCA1 em 15 amostras do estudo, sendo que em 12 delas as mutações pontuais observadas eram de origem germinativa e em apenas duas foram somáticas – ou seja, não vieram da linhagem de células germinativas, mas adquiridas durante o processo de formação do tumor.

Um número significativamente maior de mulheres diagnosticadas com câncer de mama triplo negativo até 40 anos apresentaram mutações germinativas no gene BRCA1.

Já as pacientes na faixa etária de 40 a 50 anos e as com idade superior a 50 anos apresentaram um número menor de mutações germinativas no gene BRCA1.

“Também investigamos por sequenciamento do exoma [parte do genoma onde estão os genes codificadores de proteínas] os dois grupos de tumores triplo negativo: os com mutação e os sem mutação no gene BRCA1”, disse Carraro.

“A caracterização do repertório de genes mutados que podem levar à geração e à evolução do tumor de mama triplo negativo, possibilita aumentar o conhecimento sobre quais os processos biológicos estão operando para transformar uma célula inicialmente normal em cancerosa, disse Carraro à Agência FAPESP.
Influência terapêutica

De acordo com a pesquisadora, os tratamentos convencionais para o câncer de mama triplo negativo ainda são baseados em quimioterapia, não existindo nenhuma terapia dirigida bem estabelecida ou terapias hormonais disponíveis para as pacientes.

“Alguns dados mostram que pacientes que apresentam mutação no gene BRCA1 acabam respondendo de forma mais eficiente à quimioterapia, uma vez que esse gene está envolvido em reparo de DNA e as células tumorais com a proteína BRCA1 defectiva são incapazes de reparar o DNA atacado pelas drogas normalmente usadas em quimioterapia”, disse Carraro.

“Isso pode causar a morte das células tumorais de forma mais eficaz e refletir em uma melhor resposta do tratamento”, estimou.

Na avaliação dela, o estudo dos aspectos genéticos envolvidos no desenvolvimento desses dois grupos do subtipo de câncer de mama – sem e com mutação no gene BRCA1 – pode dar pistas para compreender esse tipo de associação.

Além disso, o conhecimento gerado pode resultar, em médio e longo prazo, em pistas para o prognóstico, intervenção clínica e até mesmo para identificação de alvos terapêuticos para esse subtipo de câncer de mama.