"Seja homem" é uma das frases que os meninos mais costumam ouvir desde muito pequenos. Quando chegam à idade adulta, continuam sendo pressionados para serem aquele mesmo homem idealizado na infância, que não chora, é forte, competitivo, viril e não tem medo de nada.
A cobrança para se encaixar nesse modelo de "macho", em meio a uma sociedade que cada vez mais busca a liberdade e a pluralidade dos indivíduos, está ficando desgastada. Prova disso é que começam a existir iniciativas, além de estudos, em diferentes países, propondo uma nova reflexão sobre o que significa ser homem.
No Brasil, o coletivo Mo[vi]mento lançou a campanha "Homens, Libertem-se!", com a adesão de mais de 600 colaboradores, realizada em parceria com o grupo de teatro The Living Theatre, de Nova York, nos Estados Unidos.
Maíra Lana, coordenadora e idealizadora da campanha, explica que a ideia surgiu depois de perceber como os homens estão aprisionados em seus papéis sociais. "Os homens estão encerrados em um estereótipo muito rígido. As mulheres estão buscando uma flexibilidade maior há mais tempo, uma maneira de sair desses papéis", diz.
Além de um vídeo, o movimento lançou um manifesto (veja abaixo), elaborado em conjunto por mais de 30 pessoas, em que se pede o direito de ser frágil, brochar e de não ser obrigado a prestar o serviço militar.
Diálogo interno
A pressão que os homens sofrem para corresponder a essa figura de provedor, conquistador e ser invencível não tem uma única origem. Segundo o sociólogo Luís Antonio Bitante Fernandes, professor da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), autor da tese "Afinal o Que Querem os Homens? Uma Análise na Perspectiva de Gênero e Sexualidade", esse processo começa desde os rituais de aprendizagem na infância, que muitas vezes envolvem violência e rivalidade.
"A construção do gênero masculino se faz pelo reconhecimento da semelhança e pela competição, características que fazem parte da masculinidade", afirma Fernandes. Para o professor da UFMT, os homens não devem ser vistos como vítimas da sociedade, entretanto também não escapam do machismo. "Podemos dizer que os homens são oprimidos por essa sociedade machista na qual nos encontramos", diz.
Para a psicóloga Christina Montenegro, autora do livro "Homem Ainda Não Existe – Compartilhando Reflexões Para Que Ele Exista" (Editora Torre), o problema vem da herança cultural, baseada em um sistema patriarcal, em que o homem é o centro da organização social. "Não há vilão personalizado", acredita.
Christina defende em sua obra que o homem "não existe" porque ainda não há uma identidade coletiva. "Os homens pertencem à única categoria de gênero que não se organizou", explica, diferentemente do que já aconteceu com as mulheres e com a população LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Apesar de serem privilegiados no modelo patriarcal, os homens também engrossam as piores estatísticas. Eles são maioria nas prisões e entre os moradores de rua, têm os índices de saúde mais precários e as taxas mais elevadas de suicídio.
Para Maíra Lana, o que preocupa é que os homens não pensam muito sobre suas condições. "Os homens não se questionam a respeito, não aprendem a desenvolver um diálogo interno", fala.
Além disso, Maíra chama atenção para a dificuldade que eles geralmente têm em administrar seus sentimentos, já que sempre foram motivados a não fraquejar. "Por ter sido impedido de chorar desde muito cedo e de ser atropelado pelas emoções, o homem vai se fragilizando porque a dor faz parte da vida. E ele não aprende a lidar com isso", observa.
Transformações
Vestir rosa, demonstrar carinho por um amigo ou aparar a sobrancelha já não são atitudes mais vistas com tanto preconceito. O homem tem ganhado liberdade para cuidar do corpo e expressar melhor sua individualidade, sem tantas recriminações.
Porém, mesmo que essas transformações estejam ocorrendo, Luís Fernandes afirma que ainda existe a dominação de uma masculinidade hegemônica. "Ele não pode se esquecer que tem que ser o macho alfa, o dominador", diz.
Fugir da obrigação de se adequar a um padrão de masculinidade, vivendo suas singularidades, independentemente da orientação sexual, é a conquista que o "Homens, Libertem-se!" persegue, assim como movimentos similares, a exemplo do coletivo dos Homens Antipatriarcais, da Argentina.
Para a psicóloga Christina Montenegro, a libertação dos homens dos velhos estereótipos é um caminho irreversível, porém lento, que está nas mãos deles. "Só aos homens cabe responder o que eles podem fazer. Ou é um processo libertário, singular e autônomo ou não terá consistência, não durará", analisa.
Manifesto "Homens, Libertem-se!"
Veja algumas das ideias contidas no manifesto criado por colaboradores da campanha "Homens, Libertem-se!". Mais informações na página do Facebook.
- Eu não quero mais ouvir a frase "seja homem", como se houvesse um modelo de homem a ser seguido. Quero ser mais que um homem, quero ser humano.
- Posso perder, ser frágil, sentir medo, pedir socorro e chorar quando a situação for difícil. Posso ser sensível e me expressar como quiser, sem deixar de ser forte e determinado. Ser forte não é necessariamente ter músculos e não envergar. A mulher não é fraca por ser mulher.
- Posso brochar e recusar fazer sexo com qualquer pessoa. O tamanho do meu pau também não importa.
- Não quero ser obrigado a prestar serviço militar nem a participar de guerras. Não acredito em um sistema patriarcalista em que pessoas, governos, Estados, nações se acreditem superiores e façam imposições de cima para baixo, sem diálogo.
- Ficarei feliz em ter ao meu lado mulheres que não veem o casamento como objetivo de vida, mas veem em suas próprias vidas o grande objetivo.
- Posso ser eu mesmo, masculino, feminino, racional, emotivo, frágil, forte, tudo e nada disso. Quero ser uma pessoa melhor ao meu modo, e que me amem e me aceitem não por quem acham que eu deva ser, mas por quem eu sou. E por tudo isso, não sou mais ou menos homem.
- O sexismo também me oprime e quero ser um homem livre.
Olá, deixe seu comentário!Logar-se!