Gavetas cheias de cacarecos, documentos espalhados, roupas amarrotadas no armário, pilhas de revistas e jornais, mantimentos vencidos na geladeira, coisas jogadas das prateleiras ao chão... Dificilmente uma casa tem a aparência digna de uma vitrine de loja de decoração, ainda mais se crianças ou animais de estimação estiverem entre os habitantes. E um pouco de desordem é natural: mostra que há vida naquele lugar.
No entanto, uma casa bagunçada além da conta pode trazer consequências muito mais indesejáveis aos moradores do que objetos atravancando passagens e atrapalhando o conforto. Além disso, diz muito a respeito das pessoas e suas necessidades.
De acordo com Maura de Albanesi, psicoterapeuta de São Paulo (SP), a bagunça pode comprometer a qualidade de vida de várias maneiras. "Há desde o exemplo clássico de a pessoa não encontrar as chaves, gerando atrasos e mau humor, até casos mais graves, como a perda de documentos e pagamentos em atraso", explica. "A desorganização de qualquer tipo rouba um bem precioso do ser humano, que é o tempo", completa Maura.
De acordo com o psiquiatra Leonard F. Verea, também da capital paulista, é comum pessoas desorganizadas reclamarem da vida como um todo. "O principal tipo de comprometimento é não conseguir priorizar o dia de forma eficiente, acumulando afazeres desordenadamente. O dia passa a ser improdutivo, pois junto pode haver a mania de postergar a arrumação, nem que seja da mesa, por exemplo, para que o dia renda", observa.
Muita gente quer mudar e colocar tudo nos trilhos, mas nem sempre consegue. A resistência à organização pode revelar aspectos que a pessoa não consegue lidar conscientemente. Exemplos? Medo de se dar conta de rombos financeiros ao ordenar as contas, se recusar a jogar fora ou doar coisas porque não quer dar adeus ao passado, relutância em seguir em frente e aceitar que a vida e ela mesma mudaram etc.
"Podem ser muitos os fatores emocionais por trás da bagunça, como ansiedade, depressão, apego, dificuldade de lidar com uma realidade que desperte frustração", fala Maura.
"Embora não haja nada de errado em guardar recordações, não há necessidade de encher a sua casa com objetos de outra pessoa que são inúteis para você. Doá-los a quem necessita é a melhor opção", diz Leonard.
Algumas pessoas, por outro lado, não veem sentido em se organizar, pois convivem bem com a bagunça. Para André Gellis, docente do Departamento de Psicologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Bauru, "a bagunça pode ser sintoma das mais variadas personalidades ou quadros psicopatológicos, de neuroses a psicoses. É difícil delimitar onde termina a desorganização e começa a organização, pois cada um vive a seu modo, mas é importante prestar atenção em como a pessoa se sente em relação à maneira como vive", fala.
"Não existe um padrão para definir o desorganizado. É necessário compreender qual é o benefício da bagunça em sua vida", explica Maura de Albanesi. Confronte o que vem incomodando --um emprego chato, daí os atrasos constantes; a falta de autoestima que se reflete na aparência da casa; a ausência de objetivos que justifiquem uma vida mais regrada".
Na opinião de Leonard F. Verea, é possível que a bagunça mostre a ideia que o bagunceiro tem de si mesmo. Por exemplo: quem pensa que não é capaz de se organizar tende a adiar continuamente tarefas que considere desafiadoras.
"É possível que a pessoa não perceba ou acabe adotando o bordão 'eu me acho na minha bagunça', algo que pode até ser verdade. Porém, se divide a casa com alguém, não percebe o quanto isso afeta a vida do outro", diz o psiquiatra.
Segundo André Gellis, da Unesp, a depressão pode levar a comportamentos não característicos da personalidade normal da pessoa. Uma transformação possível é a da pessoa que jamais foi bagunceira se tornar desorganizada.
A bagunça é aceitável quando não atrapalha a vida do indivíduo. Muitas pessoas convivem favoravelmente com ambientes bagunçados, sem que isso interfira no trabalho, bem-estar, nos relacionamentos ou na vida social. Mas quando a desordem passa a atingir negativamente esses aspectos da vida, é hora de mudar", conta Miria Benincasa, docente do curso de psicologia da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo).
Organização demais, não!
Arrumar tudo ao extremo, no entanto, e se preocupar em demasia com a organização, sem sentir nenhum prazer com isso, também não é saudável. "Tudo o que prejudica a qualidade de vida estimula o estresse. Portanto, não atingimos nosso objetivo, que é viver bem. A organização tem de funcionar a seu favor: proporcionar um aumento de tempo significativo que seja revertido em momentos felizes", declara a psicoterapeuta.
"Quem quer tudo arrumadinho o tempo todo pode comprometer seu desenvolvimento da mesma forma que o bagunceiro. São dois lados da mesma moeda, mas o certinho tende a ser mais valorizado socialmente, embora nem sempre seja o mais saudável", fala Rosa Capelão Avoglia, também docente de psicologia da Umesp.
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