Pouco conhecido até então, atacante vive ascensão meteórica desde a chegada ao Botafogo, em julho
A titularidade de Igor Jesus no comando de ataque do Brasil, nesta quinta, contra o Chile, pouco mais de três meses depois de estrear pelo Botafogo, surpreendeu muita gente, mas talvez seja uma das grandes histórias da temporada no futebol brasileiro.
Aos 23 anos, o centroavante, até então pouco conhecido no futebol brasileiro, chegou ao clube em julho para disputar posição com Tiquinho Soares e virou rapidamente titular e homem de confiança de Artur Jorge.
Igor precisou de apenas 19 partidas com a camisa alvinegra para convencer Dorival Júnior e ser convocado para a Seleção. Nesse período, ele marcou sete gols e deu uma assistência. Nada disso, porém, surpreende quem o acompanha desde o início.
Igor é hoje uma esperança para o Brasil e pode será titular na partida contra o Chile, nesta quinta-feira, às 21h, com transmissão da TV Globo .
A descoberta
Jesus é daqueles típicos centroavantes. Joga entre os zagueiros, tem força física, velocidade e grande poder de finalização. Essas foram algumas características que fizeram com que ele saísse do Brasil Central, um projeto em Cuiabá, onde nasceu, e fosse parar na base do Coritiba, em 2014.
Bernardo Franco, que hoje treina o time profissional do Cuiabá, foi o responsável por viajar até a capital do Mato Grosso à época para observar um jovem atacante tratado como promessa, mas que já havia lidado com as recusas de Fluminense e Grêmio .
- Era um garoto que se posicionava muito bem para a idade. A maturidade que ele tinha, o entendimento dos espaços, de movimento... isso já chamava muita atenção. Ele se colocava muito em posição de finalizar e fazer gols, bem acima do padrão da idade. Ele é um jogador de maturação precoce, então muita gente tinha dúvida nele, por ser mais alto e mais forte, mas era perceptível que ele não se utilizava disso para fazer a diferença - afirmou o treinador, ao ge.
Ascender rapidamente passa longe de ser uma novidade na carreira do atacante. Pelo contrário, isso foi praticamente o padrão desde que Igor decidiu ser jogador de futebol. Foi um gol do meio-campo que começou a abrir as portas para ele.
Teste abre as portas no Coritiba
O time sub-15 do Brasil Central fazia um amistoso contra um outro time local de Cuiabá em que Igor jogava. Depois de presenciar o lance, Delrik Brunne, coordenador de base do projeto, perguntou sobre aquele centroavante de bom porte físico e descobriu que ele tinha apenas 13 anos, diferentemente da maioria dos jogadores da equipe, que eram mais velhos.
- Quando a gente ia fazer esses amistosos com projetos, eles sempre jogavam com time mais velho, então quando ele fez eu fui perguntar quem era o menino. Quando eles falaram que tinha 13 anos, aí brilhou os olhos "vamos avaliar, né". O que chamava muita atenção na época para ele era essa força, proteção que ele faz e o pivô que até hoje ele tem - lembra Delrik, ao ge.
A prioridade do projeto nessa época era, como tem que ser nessa faixa etária, ter o futebol como diversão. Igor chegou a jogar muitas vezes como goleiro, quando ganhou o apelido de "sapinho", por causa das acrobacias que fazia para defender as bolas .
A ida para Curitiba foi rápida e definitiva. Bastaram dois dias de testes na base do clube para ser aprovado, em outubro de 2014. Ele se juntou ao time que disputou o Encontro de Futebol Infantil Pan-Americano (Efipan), principal competição sub-15 do futebol sul-americano no ano seguinte.
Não só disputou. Ele foi um dos destaques do time que se sagrou campeão ao vencer o Grêmio na disputa de pênaltis na final. O primeiro título da história do Coritiba na competição. A partir dali, Igor já era uma realidade na base.
O padrão, enquanto esteve nas categorias inferiores da equipe paranaense, foi atuar na faixa etária acima. Aconteceu logo que chegou no sub-15, no sub-17, no sub-20 e no time profissional. A ida para o juvenil, inclusive, foi marcada por um momento curioso.
- A gente estava indo para uma competição na categoria sub-17 chamada "Copa Santiago". No trajeto, o centroavante titular do sub-20 teve uma lesão. A gente teve que parar no meio do caminho, e ele foi alçado naquele dia. Já no primeiro jogo, se não me engano contra o Flamengo, na Copa São Paulo, ele vai muito bem. A partir dali praticamente nem volta mais para o sub-17 - conta Willians Alves, à época analista da base e hoje auxiliar técnico no sub-20 do Botafogo-SP.
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O primeiro jogo profissional foi ainda aos 17 anos, contra o Toledo, pelo Campeonato Paranaense de 2019. O primeiro gol também não demorou. Foi na partida seguinte, em que foi titular e abriu o placar contra o Athletico Paranaense dentro da Arena da Baixada .
Quase dispensa e mudança de postura
A ascensão na base do Coritiba, a passagem marcante pelo Shabab Al Ahli e a volta ao Brasil para o Botafogo, com direito a convocação para a seleção brasileira, poderiam ter tido um roteiro bem diferente.
Isso porque Igor Jesus quase foi dispensado por indisciplina do Brasil Central quando ainda tinha 13 anos, antes mesmo de ser observado. Porém, acabou reintegrado graças a Delrik Brunne.
- Ele chegou a ser dispensado, na época, da Brasil Central pelo italiano, o Nino, porque ele riu na hora do treino. O Nino é um italiano que é nosso coordenador. Eu sempre lutei pelos meus atletas. Fui conversar com o italiano, e ele acabou voltando atrás. Mas eu tive que falar com a Dona Dianna [mãe do jogador]. Ela deu um castigo que mudou a postura dele (risos) - lembrou Delrik.
Dona Dianna se define como uma mãe rigorosa "até hoje". A questão foi simples, como qualquer menino, Igor estava brincando durante o treino e isso foi o motivo do problema. A resolução também não foi complexa: um ultimato para fazer com que o garoto de 13 anos entrasse na linha e focasse no que queria, sem abandonar também a educação, algo que a família considerava importante .
- Você sabe, guri quando junta com outro guri não tem disciplina. Isso pesou para o lado dele. Perguntei para ele o que tinha acontecido, e ele disse que estavam brincando. Eu coloquei um castigo nele: "ou você estuda, ou não joga futebol mais". Aí ele falou para mim "a partir de hoje eu vou jogar futebol porque é meu sonho". O dia que ele não fosse para a escola, ele não ia treinar. Ele sempre foi um bom menino, até hoje. Tem 23 anos, é casado... Mas quando eu falo com ele, é só uma vez. É muito obediente - explicou a mãe do atacante ao ge.
O artilheiro tímido do Brasil
A qualquer pessoa que se pergunte sobre como o artilheiro é fora dos campos, os adjetivos se repetem: "tímido", "humilde" e "dedicado". Esse comportamento é possível ver até mesmo nas entrevistas do jogador.
Igor tem fala tranquila, sucinta e tímida, mas quando se empolga com um assunto, como quando explicou ao ge o motivo da comemoração com o "Kamehameha", é possível ver por trás da barreira do nervosismo (veja o vídeo abaixo).
Outra coisa que é consenso entre quem conhece o jogador é que, dentro dos gramados, a personalidade dele passa longe de qualquer semelhança ao que é fora.
- É um jogador com uma mentalidade muito forte, extremamente competitivo e com uma taxa de trabalho altíssima. Muita dedicação, compromisso. Um jovem muito simples, humilde, de poucas palavras. Mas quando entra em campo se transforma. Compete por cada centímetro, cada bola... não tem perdida - afirma Franco.
O camisa 99 do Botafogo não nega e nem se afasta das origens. Ele cresceu às margens do Rio Cuiabá, em uma família ribeirinha que viveu da pescaria na região. Aos nove anos, chegou a trabalhar limpando peixes na banca de feira ao lado do avô, e recebia por mês vinte reais.
Mesmo após atingir o time profissional do Coritiba, em 2019, seguia ligado à região e protagonizou uma cena curiosa testemunhada por Delrik.
- Estava voltando para casa, vejo um cara sem camisa, com um short do Coritiba, com uma vara de pescar debaixo da ponte. Bem raiz mesmo. Quando ele vem, gosta de pescar e ir para o Pantanal. Sempre vem aqui no projeto e conversa com as crianças também. Não perdeu essa essência.
Chegada à seleção brasileira
A convocação de Igor Jesus surpreendeu muitos torcedores e, até mesmo, algumas pessoas que acompanham a carreira dele. Não pelo talento ou potencial, mas sim pela velocidade com que aconteceu.
O atacante já tinha "batido na trave" na última Data Fifa. Quando o centroavante Pedro, do Flamengo, sofreu a ruptura de ligamento cruzado anterior, o jogador do Botafogo já estava entre os nomes cotados para entrar na vaga criada pelo corte. A preferência acabou sendo por João Pedro, do Brighton.
A espera não foi longa desde que chegou ao Brasil, mas para ele durou 23 anos. Igor sempre acreditou que defenderia o Brasil e prometeu que o faria para Dona Dianna. A confiança em si era tanta, que recusou uma naturalização para defender a seleção dos Emirados Árabes Unidos.
Depois de quatro anos atuando pelo Shabab Al Ahli, o jogador recebeu o passaporte do país do país em 2023. Porém recusou a oferta de renovação do clube à época. Foi quando surgiu a cobiça do Botafogo.
Com pré-contrato assinado com o clube brasileiro, chegou a receber ofertas de outros clubes do país, o Al Nasr e o Al Wasl. Os clubes chegaram a conversar com o Glorioso, mas o atacante recusou também porque seria registrado como jogador emiradense.
- Ele me falou que um dia ia chegar à Seleção. A gente nem imaginava que ia acontecer. Ele falou para mim: "a senhora um dia vai me ver na seleção". Chegar onde ele chegou hoje foi o mérito dele, a gente só ajudou.
A promessa do jovem ribeirinho de Cuiabá se cumpre nesta quinta-feira. Hoje, Dona Dianna pode ligar a TV e ver o filho com estreando com a camisa mais importante do futebol mundial. Se depender da dedicação dele, a primeira de muitas .
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