O ex-hanseniano João Pereira do Nascimento, de 58 anos, tinha apenas 9 anos quando foi expulso da casa em que vivia com a mãe e os irmãos no seringal Sacado, no interior do Amazonas. Ele conta que o dono do seringal descobriu que ele estava com hanseníase e não permitiu que ele vivesse mais no local. João Nascimento teve que viver isolado da família até os 18 anos, em uma casa construída no meio da mata. Hoje, ele mora em Rio Branco e luta por uma indenização.
“Estávamos todos em casa quando três policiais chegaram em um barco e mandaram minha mãe me entregar para eles. Lembro que chorei muito e minha mãe ainda tentou reverter a situação. Meus irmãos construíram uma casa a 500 metros de distância da que morávamos e eu fui para lá. Fiquei nove anos largado e sozinho no meio da mata”, conta o ex-hanseniano.
Sobreviver foi uma vitória. Ele conta que, para se alimentar, a mãe levava a comida todos os dias até a metade do caminho, e ele ia até o local buscar. “Nós não podíamos nos encontrar. Eu ia em um horário que sabia que a comida já estaria lá, e ela não estava mais. Para tomar banho era outro sacrifício, eu tinha que sair de casa até o rio à noite, para não encontrar com ninguém. Se me vissem, jogavam pedras em mim e me chamavam de leproso”, relata.
Cansado da situação, ele resolveu fugir do local de barco. Foi para a cidade de Boca do Acre (AM), onde morou, também isolado na mata, por um ano. Em seguida, se mudou para Rio Branco e tentou vaga na Colônia Souza Araújo, onde vivem as pessoas com hanseníase. Como não conseguiu vaga, ficou no Hospital de Base, que era outro isolamento da época.
"Fiquei internado durante dois anos no pavilhão 1 do Hospital de Base, que era a área de isolamento, em tratamento a base de remédio e só saí depois que os médicos detectaram que eu não tinha mais a doença e não poderia mais transmiti-la para outras pessoas”, afirma.
Indenização
Diferente de outros ex-portadores da doença, que eram levados para clínicas, ele e outras pessoas que foram mantidas em isolamento domiciliar agora lutam pelo direito a uma indenização.
Só no Acre, mais de 300 pessoas estão na mesma situação que João Pereira, de acordo com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). A lei federal 11.520 assegura um benefício às pessoas que tiveram hanseníase, mas somente para as que foram internadas em clínicas.
João defende que, assim como quem ficou isolado em hospitais devido à doença, as pessoas que ficaram em seringais também merecem o benefício. Ele afirma ainda que, por causa da situação, sofreu mais até do que os que estavam na cidade.
Emocionado, o aposentado descreve como "angustiantes" os anos em que precisou ficar longe da família. Ele conta que começou a apresentar os sintomas da doença aos 5 anos, mas somente com 9 foi diagnosticado.
Revisão da lei
A deputada Maria Antônia (Pros-AC) apresentou, na sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac), no início do mês, um ofício pedindo apoio dos deputados federais para que seja feita a revisão da Lei 11.520, de 18 de setembro de 2007, que assegurou pensão às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia.
Ela ressalta que a atual legislação não beneficia aqueles que passaram por isolamento domiciliar. Segundo ela, não é justo que pessoas que ficaram sozinhas em casas de campo e seringais não tenham direito ao benefício.
De acordo com o representante estadual do Morhan, Elson Dias, no Acre, mais de 700 pessoas foram beneficiadas com a lei. Porém, ele também defende a ampliação do benefício.
"Os ex-hansenianos que foram isolados nos seringais e isolamento domiciliar não são beneficiados pela lei. Então a ideia é recorrer aos representantes do Acre no Congresso Nacional, para buscar ampliar a lei por meio de uma emenda e para que essas pessoas também venham a ser beneficiadas”, explica ele.
Hanseníase
De acordo com o Ministério da Saúde, a hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, cujo principal agente causador é o Mycobacterium leprae (M. Leprae). Essa bactéria tem a capacidade de infectar um grande número de pessoas, no entanto poucas adoecem. A doença atinge a pele e os nervos periféricos e pode levar a graves incapacidades físicas.
O tratamento específico da hanseníase, recomendado pela Organização Mundial de Saúde - OMS e recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil é a poliquimioterapia (PQT), uma associação de Rifampicina, Dapsona e Clofazimina, em cápsulas. Esse tratamento evita a resistência ao medicamento, o que ocorre, com frequência, quando é utilizado apenas um remédio, impossibilitando a cura da doença.
A Dra. Ana Escobar, consultora do Bem Estar, explica que, ao contrário do que muitos pensam, hanseníase tem baixa contagiosidade e tem cura.
Olá, deixe seu comentário!Logar-se!