Um grupo de 11 dirigentes de futebol da América do Sul recebeu US$ 40 milhões em propinas em 2013 pagas por uma empresa de marketing esportivo, revelam documentos do FBI (a polícia federal americana) aos quais o GloboEsporte.com teve acesso no Paraguai. A investigação americana aponta que "o presidente da confederação brasileira de futebol" recebeu US$ 6 milhões. O cargo na época era ocupado por José Maria Marin.
Marin presidiu a CBF entre março de 2012 e abril de 2015. Um mês depois foi preso na Suíça, acusado de receber suborno em contratos da Conmebol e da CBF. Em novembro do ano passado foi extraditado aos EUA, onde está em prisão domiciliar enquanto aguarda julgamento. A defesa de Marin afirma desconhecer os papéis do FBI e diz não haver evidências que sustentem as acusações. O cartola se declara inocente e não pretende colaborar com a Justiça americana.
De cada US$ 20 milhões de propina os presidentes da CBF, da AFA e da Conmebol recebiam US$ 3 milhões cada; outros sete cartolas recebiam US$ 1,5 milhão cada; um 11º dirigente embolsava US$ 500 mil.
Trecho de relatório do FBI
Os documentos fazem parte do pedido feito pelos EUA ao Paraguai para extraditar Nicolas Leoz. Presidente da Conmebol entre 1986 e 2013, o cartola paraguaio de 87 anos está em prisão domiciliar há um ano, acusado de fraude, extorsão e lavagem de dinheiro, entre outros crimes. O pedido de extradição foi feito há um ano, mas ainda não tem data para ser julgado - os advogados de Leoz apresentaram recursos que atrasaram o andamento do processo.
Com data de 9 de julho de 2015, o documento detalha como uma empresa chamada Datisa subornou cartolas sul-americanos para obter os direitos comerciais e de transmissão de quatro edições da Copa América: 2015, 2016, 2019 e 2023. Onze cartolas sul-americanos dividiram US$ 40 milhões em propinas: US$ 20 milhões quando da constituição da empresa e outros US$ 20 milhões relativos à Copa América do Chile em 2015.
O "esquema da Copa América" é apenas um dos que sustentam o caso do governo dos Estados Unidos contra dirigentes e empresários que ficou conhecido como "Fifagate". De acordo com investigações e delações, entre 1991 e 2015 houve pagamento sistemático de propinas e subornos para dirigentes da América do Sul e da América Central em vários contratos - o da Copa América é só um deles. A Datisa foi criada em 2013 para encerrar uma disputa judicial que envolvia três agências de marketing esportivo: a brasileira Traffic, e as argentinas Full Play e Torneos. Cada uma ficou com um terço da nova empresa, que operava pagando subornos a cartolas. Os dirigentes recebiam por fora e, em troca, vendiam os direitos de transmissão por valores baixos. As empresas intermediárias lucravam alto e extraíam daí o dinheiro para pagar as propinas.
Sempre segundo o FBI, os US$ 40 milhões foram assim divididos: os presidentes das federações de Brasil (Marin, na época) Argentina (Julio Grondona, morto em 2014) e da Conmebol (Leoz, na época) embolsaram US$ 6 milhões cada um. Os presidentes de outras sete federações nacionais levaram US$ 3 milhões cada. Um 11º cartola, dono de alto cargo na Conmebol, recebeu US$ 1 milhão.
O plano da Datisa era distribuir mais US$ 70 milhões em subornos para garantir outras três edições do campeonato: a Copa América Centenário que acaba de ser disputada nos EUA, e os torneios de 2019 e 2023. A investigação cita uma reunião entre os sócios da empresa ocorrida em maio de 2014 no sul da Flórida. Em dado momento, sem saber que o encontro estava grampeado, Alejandro Burzaco diz:
- Todos podem se ferrar por causa disso. Todos nós vamos para a prisão. Burzaco tinha razão. Dono da Torneos, ele está preso nos EUA. J. Hawilla, dono da Traffic, virou colaborador da Justiça americana. Hugo Jinkis e Mariano Jinkis, donos da Full Play, se entregaram na Argentina e estão em prisão domiciliar. José "Lázaro" Margulies, operador da Datisa, entregou-se para as autoridades americanas.
As prisões realizadas em maio de 2015 interromperam o esquema. Em outubro do ano passado, a Conmebol anunciou o rompimento dos contratos com a Datisa. Em dezembro, houve uma segunda leva de prisões e indiciamentos no mesmo caso. Ricardo Teixeira, presidente da CBF entre 1989 e 2012, e Marco Polo Del Nero, atual presidente, foram indiciados. Eles nunca mais saíram do Brasil desde então, e negam todas as acusações.
O dinheiro da propina circulou por empresas e bancos com sede nos Estados Unidos, motivo pelo qual o processo corre no Tribunal Federal do Brooklyn, em Nova York. A polícia americana cita outros crimes cometidos por Nicolas Leoz. O advogado que defende o ex-presidente da Conmebol neste caso foi insistentemente procurado, mas nunca respondeu aos recados deixados em seu telefone celular.
O relatório do FBI é assinado pelo agente especial Jared Randall. Segundo uma reportagem da "ESPN Magazine" de fevereiro deste ano, foi Randall quem primeiro investigou as picaretagens de Chuck Blazer, o americano que mandava na Concacaf e tinha assento no Comitê Executivo da Fifa. Flagrado, em 2011 Blazer fez um acordo semelhante ao de J. Hawilla, e grampeou vários de seus comparsas - inclusive sul-americanos. As gravações feitas por Blazer e Hawilla ajudaram o FBI a desvendar a rede de corrupção no futebol do continente.Blazer, que virou um milionário excêntrico, tinha dois apartamentos na Trump Tower, em Manhattan, a poucos metros do Central Park. Um para ele, outro para seus gatos - sim, Blazer mantinha um apartamento só para seus gatos. José Maria Marin hoje mora - e está preso - na mesma Trump Tower.
Mas as coincidências terminam aí. O ex-presidente da CBF comprou seu apartamento em 1989 - quando nem ele e nem o americano tinham cargos importantes no futebol. Segundo relataram ao GloboEsporte.com funcionários do prédio, Blazer promovia festas ruidosas e intermináveis, que chamavam atenção pela pouca idade e pouca roupa das mulheres convidadas. Marin é citado como o simpático senhor que distribuía ingressos para jogos que a seleção brasileira disputava nos Estados Unidos.
Muito doente, com câncer no reto e outras doenças, Chuck Blazer passa os dias num hospital. José Maria Marin, Pelo acordo que fez com as autoridades americanas para esperar o julgamento em prisão domiciliar, não pode ter mais nenhum tipo de contato com a Fifa, a Conmebol ou a CBF.
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