Um homem de Votorantim (SP) que sofre de uma doença rara que pode causar um tipo de "morte súbita" luta na Justiça para que o Estado de São Paulo forneça o remédio para seu tratamento. Ele é portador da síndrome de Brugada, que causa fortes arritmias no coração. Wallace Andrade da Silva, de 26 anos, conta que chegou a ter 42 paradas cardíacas em um período de 13 horas.
O medicamento usado para combater os efeitos da doença é a Quinidina, que tem venda proibida no Brasil. A ordem para que ele seja fornecido ao paciente foi expedida pela Justiça em abril e, apesar da multa diária, não vem sendo cumprida pela Secretaria de Saúde. Em nota, o governo afirma não encontrar fornecedores do remédio.
A primeira manifestação da chamada “morte súbita” em Wallace foi em novembro, quando ele “morreu” pela primeira vez. “Fiquei 20 minutos literalmente morto, depois de uma parada cardíaca. Mais tarde, tive 42 paradas em um mesmo dia”, conta.
Wallace, que trabalhava como açogueiro em um supermercado, vive com a mulher e três filhas em uma casa alugada no bairro Parque Jataí. A esposa, Amanda Cristina Gregório da Silva, diz que não vai esquecer tão cedo a manhã do dia 2 de novembro de 2014. Foi ela quem percebeu a primeira parada cardíaca de Wallace.
“Estávamos deitados e o abracei. Ele estava frio, mas eu não sabia que ali ele já estava tendo a parada. Acendi a luz e vi os lábios roxos, ele estava completamente branco. Quando o resgate chegou, na hora já falaram que ele tinha morrido”, conta.
Fiquei 20 minutos 'morto'. Um mês depois, tive 42 paradas cardíacas em um mesmo dia"
Wallace Andrade da Silva
Após 20 minutos e várias massagens cardíacas, os socorristas conseguiram reanimar o ex-açougueiro. Ele foi encaminhado para um hospital de Votorantim e depois transferido para o Hospital Regional de Sorocaba (SP), onde ficou cinco dias em coma induzido. Em dezembro, uma ordem judicial determinou que ele fosse levado para o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, na capital paulista.
No dia 27 daquele mês, Wallace teve o que os médicos chamam de "tempestade elétrica": ele sofreu 42 duas paradas cardíacas entre 8h e 21h. Foram 380 ciclos de desfibrilação para tentar reanimá-lo, um choque a cada três minutos.
Depois deste episódio, os médicos cogitaram um transplante de coração, que também não foi possível por conta das arritmias. "Ninguém sabia o que era, porque os exames não mostravam alteração nenhuma e eu estava bem. Para mim, era como se eu tivesse dormido. Precisaram me levar para a Espanha, onde conseguiram detectar a síndrome", conta.
Morte súbita
O primeiro sintoma da síndrome de Brugada é justamente a rápida taquicardia ventricular que causa a parada cardíaca, segundo o médico cardiologista Dalmo Antonio Ribeiro Moreira, que acompanha o caso de Wallace. A suspeita é levantada após avaliações, em que se detecta um elétron suspeito nos exames.
O cardiologista, que é chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas do Dante Pazzanese, explica que a doença tem origem genética e geralmente se manifesta em homens entre os 20 e 40 anos. “É uma alteração nos canais iônicos de sódio cardíacos, responsáveis pela condução do estímulo elétrico, que pode causar uma arritmia ventricular fatal”, detalha.
"Quando descobrimos que ele sofre dessa doença genética ficamos aliviados por só termos tido filhas mulheres. Se tivéssemos menino, a chance dele ter a síndrome seria grande", afirma Amanda.
Além de tomar a Quinidina, o paciente da síndrome de Brugada deve implantar um tipo de marca-passo especial próximo ao coração, chamado de cardiodesfibrilador automático (CDI). O aparelho acompanha o ritmo do coração e reestabelece a condição normal em caso de paradas, como um desfibrilador portátil.
Segundo o médico cardiologista, ainda não existe cura para a síndrome de Brugada. “Com esta medicação, que não é vendida no Brasil, ele pode ter uma vida limitada, tendo que evitar a prática de esportes ou atividades que exijam esforço físico."
De acordo com ele, o medicamento evita que o paciente tenha as paradas cardíacas. “Caso isto se torne frequente, irá sobrecarregar o coração com choques do CDI e comprometer o músculo cardíaco”, explica.
Sem aposentadoria
A família diz que contou com a ajuda de amigos para conseguir bancar o tratamento até agora. Segundo Wallace, o vidro de remédio, importado dos Estados Unidos, custa de R$ 350 a R$ 400 em média, já que não é vendido no Brasil.
Eles vivem com o salário de R$ 900 de Amanda, que trabalha como auxiliar de limpeza. "Eu não consigo trabalhar porque o médico não libera devido ao marca-passo, mas também não consigo me aposentar porque os exames não mostram o problema, então fica neste impasse. Estou sobrevivendo com a ajuda dos outros", diz.
A família decidiu, então, recorrer à Justiça. O advogado Vinícius Cirilo explica que vários pedidos já foram feitos ao governo. "O juiz já deferiu uma liminar para fornecer imediatamente o remédio, mas o Estado não está obedecendo. Temos diversas petições informando sobre esse descumprimento, além da multa de R$ 100 por dia. Não temos interesse na multa, mas ele precisa do remédio. Não podemos esperar o Wallace morrer para depois receber o medicamento."
Em nota, a Secretaria de Saúde afirmou que enfrenta dificuldades para encontrar fornecedores da Quinidina. "Os laboratórios consultados informaram que não estão mais produzindo o remédio. O Departamento Regional de Saúde segue buscando o produto no mercado, mas irá, paralelamente, informar o juiz via Procuradoria Geral do Estado sobre a dificuldade e consultar sobre a possibilidade de substituição do remédio por outro que tenha a mesma eficácia terapêutica", explica.
A secretaria ressaltou ainda que o DRS só pode adquirir medicamentos diretamente de laboratórios ou distribuidoras, e não de farmácias ou drogarias.
Olá, deixe seu comentário!Logar-se!