Para a maioria das pessoas preocupadas com a saúde, a gordura faz parte de uma lista quase proibitiva, ao lado da nicotina e do álcool. Mas o papel de vilã nutricional pode estar com os dias contados. Novos estudos mostram que a gordura saturada — encontrada em carnes, ovos e queijos — não está associada a doenças cardiovasculares.
Adepta de alimentação com baixo teor de gordura, a jornalista americana Nina Teicholz viu sua dieta mudar radicalmente quando conseguiu um trabalho como crítica gastronômica em Nova York. Ela passou a comer carnes, sopas cremosas e todo o foie gras que tinha evitado em sua vida. Como resultado, perdeu 4kg e seus níveis de colesterol mantiveram-se estáveis e saudáveis.
A experiência levou Nina a uma pesquisa de anos sobre como a ciência nos levou a um estado de “gordurofobia” e a uma crescente ingestão de carboidratos. No livro “The big fat surprise: why butter, meat and cheese belong in a healthy diet” (“A grande surpresa da gordura: por que manteiga, carne e queijo pertencem a uma dieta saudável”), lançado no ano passado nos Estados Unidos, a jornalista mostra que pesquisas recentes revelam falta de evidências sobre a gordura saturada ser responsável pelo desequilíbrio nos níveis de colesterol ou pela incidência de doenças cardíacas.
— A gordura saturada foi condenada a partir de um estudo antiquado sobre o colesterol, baseado em hipóteses. A ideia de que ela elevava o colesterol total, aquele que obstrui as artérias e causa ataques cardíacos, surgiu nos anos 1950 pela teoria do cientista Ancel Keys. Nos anos 1980, já estava claro que o colesterol total não se alinhava muito bem com doenças cardíacas. Então, a história mudou: a gordura saturada aumenta o mau colesterol, o LDL. Só que a gordura saturada é o único alimento que aumenta o HDL, o colesterol bom — explica.
Agora, pesquisadores têm se debruçado sobre o LDH e o HDL na busca do biomarcador mais confiável.
— A dieta de baixo teor de gordura e as três gerações de cientistas que estão comprometidos com ela impediram que esse debate avançasse. É uma questão muito complicada, política e influenciada pela indústria, uma vez que as empresas sabem como diminuir o LDL, mas não como aumentar o HDL. O LDL sempre foi o foco de todos — aponta.
Diferentes recomendações: de 7% a 80%
A primeira diretriz sobre uma dieta de baixa gordura foi elaborada em 1961, pela Associação Americana de Cardiologistas, e adotada em muitos países, inclusive no Brasil. Desde 2013, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) recomenda a ingestão de 6% a 10% de gorduras totais, sendo que a de gordura saturada deve ser inferior a 7%. Defensor do consumo da boa gordura, o nutrólogo Wilson Rondó Jr. afirma que sua ingestão poderia chegar a 80%:
— A gordura boa deve predominar. Considero uma dieta equilibrada aquela com mais de 50% de gordura saturada, mas alguns artigos já falam em 80%. As populações do Pacífico, por exemplo, retiram 60% de suas calorias da gordura saturada e têm índices ínfimos de problemas cardiovasculares.
A nutróloga Nadia Borges é reticente quanto a uma dieta composta majoritariamente por gordura saturada:
— Não há como abolir a gordura saturada da dieta. Ela participa de processos como a formação de hormônios sexuais e da membrana celular, a absorção do cálcio e o fortalecimento da imunidade. Agora, ainda não há nível de evidência que comprove o sucesso de uma dieta composta majoritariamente por gordura saturada. Não há ainda nível de evidência que comprove o sucesso dessa dieta na sociedade médica.
Na gastronomia, as barreiras contra a gordura também estão diminuindo. No menu do T.T. Burguer, por exemplo, acém, fraldinha e contrafilé são combinados em 180g de um suculento hambúrguer. No Olympe, um porco confit é assado na própria gordura. Para o chef Thomas Troisgros gordura, definitivamente, não é um problema:
— Sou descendente de franceses. Desde pequeno como manteiga e creme de leite. Na minha cozinha uso bastante também, como mais um ingrediente de sabor. Hoje, um dos ingredientes que faz mais sucesso na gastronomia é a barriga de porco.
No Irajá, do chef Pedro de Artagão, o bacon reina. Presente em três pratos do cardápio — piamontese, picadinho e hambúrguer —, o ingrediente segue a linha artesanal. O corte vem de porcos criados na Serra Fluminense e custa mais caro do que o filé mignon: R$ 42, o quilo.
— Nosso hambúguer é 100% artesanal, com carne moída na casa, fermento artesanal, bacon que vem de Petrópolis. Não tem nada industrializado — afirma Artagão.
O primeiro prato que criou foi justamente usando o bacon, ainda em 2001, com o picadinho:
— Vivemos um momento na gastronomia em que as pessoas estão se entregando mais aos ingredientes, menos preocupadas com dietas e restrições. A comida brasileira é a minha base. Comida da vovó, de refogado de fundo de panela, com muitas camadas de sabor. E essa origem da comida brasileira não se faz sem gordura. A dieta dos nossos ancestrais era muito mais rica em gordura do que agora. E não existia esse estado de calamidade na saúde pública.
Uma das vertentes mais claras dessa nova onda da gordura são os produtos artesanais, que usam normalmente gorduras saturadas como base.
— Os projetos de gastronomia têm buscado uma identidade nos sabores mais naturais, muito ligados ao comfort food. A indústria artesanal tem surgido com força. E esses novos produtos focados na rusticidade têm base nessas manteigas e gorduras de origem animal — ressalta a consultora de projetos gastronômicos Heloisa Mäder.
O caminho para emancipar definitivamente a gordura, no entanto, não será fácil.
— Tivemos três gerações de especialistas acreditando na dieta de baixo teor de gordura. Nós temos não apenas um universo de especialistas, mas instituições, nutrólogos, diretrizes, uma grande infraestrutura que depende do fato de a dieta funcionar. É extremamente difícil reverter isso. Mas acreditar que comer gordura faz mal à saúde é tão infeliz quanto falso — defende Nina Teicholz.
Olá, deixe seu comentário!Logar-se!