Paciente de hemodiálise há dois anos e meio e na lista de espera por um transplante de rim, a psicóloga aposentada Magda de Oliveira Faria, 56, se preparava para a ceia de Natal com a família, em Goiânia (GO), na noite de 24 de dezembro, quando recebeu um telefonema, por volta das 20h. "A pessoa do outro lado da linha me perguntou se eu estava passando bem e em seguida avisou que havia um rim disponível para mim, de um jovem de 19 anos que tinha morrido", diz. Só havia um problema: a distância.
No Brasil é preciso optar por integrar a lista de transplante de órgãos de um único Estado e ela fazia parte da relação de Santa Catarina. A sorte parecia estar ao lado da paciente: a média de espera por um rim no Estado é de seis meses, mas Magda tinha sido incluída no sistema catarinense há apenas cinco dias.
Na chamada telefônica, ela foi informada que teria que estar às 8h do dia seguinte na cidade em que seria realizado o transplante, Joinville (SC), que fica a 175 quilômetros de Florianópolis -- e a mais de 1.400 quilômetros da capital goiana. Acompanhada da filha Marcela, médica nefrologista, Magda partiu às pressas para o aeroporto de Goiânia. Ao chegar lá, por volta das 21h, encontrou os guichês de todas as companhias aéreas fechando, por falta de demanda de passageiros na noite de Natal.
Magda telefonou para a Fundação Pró-Rim, instituição responsável pelos transplantes renais em Joinville, para informar que não conseguiria chegar a tempo. Mas o atendente insistiu. "Ele me disse para eu dar um jeito, que esse rim era para ser meu, porque a compatibilidade dos exames permitia prever uma boa chance de sucesso na cirurgia", diz.
A solução foi fretar um avião de pequeno porte. Com capacidade para seis pessoas, incluindo o piloto e o copiloto, a aeronave ficou pronta para decolar por volta da meia-noite, com o plano de uma parada para reabastecer em São José do Rio Preto (SP). Foi um voo tranquilo, e Magda e a filha pousaram no interior de São Paulo por volta da 1h30 da madrugada. Aí surgiria uma nova dificuldade.
Durante o reabastecimento, o piloto encontrou um vazamento de combustível suficientemente grande para impedí-lo de seguir viagem. Não conseguiram consertar o defeito e a alternativa foi o envio de uma nova aeronave pela empresa de táxi aéreo, com outro piloto e copiloto, para completar o trajeto até Joinville.
Magda e a filha passaram a noite no aeroporto, mas às 9h estavam prontas para voar. Chegaram a Santa Catarina às 11h do dia de Natal, e após uma bateria de exames a cirurgia finalmente teve início, ao meio dia.
A intervenção foi um sucesso. A paciente passou a noite de Ano Novo no hospital, mas oito dias depois teve alta.
Da nova vida, com um rim funcionando, ela diz que uma das maiores satisfações é poder beber água à vontade. Por terem a função renal deficiente, o volume que pode ser consumido por pacientes em hemodiálise é muito restrito -- eles passam cerca de quatro horas conectados a uma máquina que faz o papel do rim em filtrar o sangue, três vezes por semana, para eliminar o excesso de líquido e de toxinas.
"Antes eu chupava gelo para enganar a sede e agora tenho que beber dois litros de água por dia", conta Magda. Livre da hemodiálise, ela espera voltar para Goiânia dentro de quatro semanas.
Cirurgias interestaduais
A vinda de pessoas de outras partes do Brasil a Joinville para fazer transplantes renais é comum. Das 108 cirurgias feitas no município em 2014, 42 (39%) foram realizadas em pacientes de outros Estados.
Segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), Santa Catarina foi o oitavo Estado em número de transplantes renais nos nove primeiros meses de 2014, últimos dados disponíveis. "É um Estado com população relativamente pequena (cerca de 6,7 milhões de habitantes) e com uma captação de órgãos eficiente", afirma Luciane Deboni, médica nefrologista e coordenadora do serviço de transplante da Fundação Pro-Rim, instituição que responde por todas as cirurgias em Joinville.
Todos os pacientes que aguardam um rim têm seus dados genéticos previamente avaliados e armazenados em um computador, explica Luciane. Quando surge um órgão, o sistema seleciona a pessoa com maior compatibilidade, que recebe a ligação. Por isso Magda ficou apenas cinco dias na lista de transplante.
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