O Pantanal é uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta, abrangendo parte dos territórios do Brasil, Paraguai e Bolívia. No território brasileiro, ocupa 150,3 mil km² em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Apesar de ser o menor bioma em extensão territorial no país, é um dos mais exuberantes no que se refere a fauna e flora e um dos mais preservados. Mantém, segundo o Ministério do Meio Ambiente, 86,77% de sua cobertura vegetal nativa.
O bioma, conforme o ministério, tem mais de mil espécies de animais catalogadas, sendo 263 de peixes, 41 de anfíbios, 113 de répteis, 463 de aves e 132 de mamíferos, além de quase duas mil espécies de plantas identificadas e classificadas, algumas, inclusive, com grande potencial medicinal. Diante da riqueza dessa biodiversidade, o Pantanal foi declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal e Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Este bioma, modelo de preservação ambiental e sustentabilidade, já está sendo ameaçado pelas mudanças climáticas que estão ocorrendo em escala global. O alerta é de alguns especialistas ouvidos pelo G1. Eles apontam que alterações estão ocorrendo e que, se não forem tomadas medidas para controlá-las, o Pantanal corre o risco de colapso em algumas décadas.
Um dos que pedem a adoção imediata de ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no bioma é o engenheiro florestal e coordenador do programa Cerrado-Pantanal da organização não-governamental WWF Brasil, Júlio César Sampaio. A entidade tem o bioma como uma das 35 áreas prioritárias no mundo e desenvolve, há cerca de dez anos na região, ações voltadas para a conservação ambiental, desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis, proteção da biodiversidade e educação para a conscientização ambiental.
Sampaio explicou que o Pantanal como um bioma úmido depende fundamentalmente do ciclo hidrológico de cheia e seca para sua manutenção e que uma das principais ocorrências do processo de mudanças climáticas, o de períodos de estiagem mais longos e extremos, já é sentido em algumas regiões pantaneiras. “Em alguns municípios do Pantanal, a população já está percebendo que a seca está ficando mais longa e mais severa”, comenta.
Ele aponta que a persistência desse “evento extremo” do processo de mudança climática na região pode afetar “drasticamente” todo o ecossistema pantaneiro, influenciando no ciclo de inundações e empurrando várias espécies de peixes e animais para áreas cada vez menores, “estrangulando” o bioma. “Esse processo já está em curso. É perceptível em várias cidades da região. Se não forem adotadas medidas de mitigação, de preservação das nascentes, principalmente na região do Planalto, onde elas estão pressionadas pela agricultura e pecuária, isso afetará a dinâmica hidrológica do Pantanal”, alerta.
Sampaio diz que esse processo que já está transcorrendo ainda pode ser acelerado em razão de uma outra situação, está de ação ainda mais direta do homem, a da instalação de pequenas centrais hidrelétricas, as chamadas PCHs, ao longo da bacia pantaneira. “Se o quadro permanecer como está, se não forem adotadas políticas públicas para assegurar a preservação e recuperar a bacia, em 20 ou 30 anos o Pantanal poderá estar estrangulado”, afirma.
Outro especialista que aponta que as mudanças climáticas podem ter grande impacto no Pantanal é o professor do curso de geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em Corumbá e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Aguinaldo Silva.
Desde 2000, ele faz parte de um grupo de pesquisa "Sistemas Fluviais e Meio Ambiente" que estuda as mudanças ambientais no Pantanal. Essa equipe conta com integrantes da UFMS, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Kentucky (EUA) e da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), e ainda com apoio de diversas instituições de fomento, como o próprio CNPq, a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (Fundect) e ainda a National Science Foundation (NSF) e a National Geographic Committee for Research and Exploration, ambas dos Estados Unidos.
“Com certeza, o sistema climático global pode ter influência sobre o Pantanal e a vida pantaneira. Mudanças nas águas dos oceanos tropicais, especialmente o Pacífico, podem ter grandes efeitos sobre a precipitação no interior continental, e, portanto, sobre a ocorrência e duração das inundações”, explica.
Silva ressalta que essa alteração climática pode provocar mudanças significativas na região pantaneira. “Podemos dizer com alguma confiança que o clima global está mudando, e as temperaturas estão se tornando mais quentes. A maioria dos modelos climáticos concordam com esse cenário. Isso pode ter consequências dramáticas para o ciclo da água do Pantanal, alterando o ciclo de inundação anual do rio Paraguai. Poderão ocorrer longos períodos de seca, o que influenciará negativamente a flora e a fauna. Esperamos que a nossa pesquisa possa ajudar a esclarecer quais os fatores principais devem ser levados em consideração para minimizar os efeitos perversos de possíveis períodos futuros de secas mais pronunciadas”, comenta.
Assim como o coordenador do programa Cerrado-Pantanal da WWF Brasil, o pesquisador da UFMS aponta a recuperação das nascentes da bacia pantaneira, na região do Planalto, como uma medida que poderia ser adotada para, pelo menos, diminuir o ritmo do impacto das mudanças climáticas na região.
“As maiores ameaças ao Pantanal estão localizadas nas áreas do Planalto como, por exemplo, o uso e ocupação do solo, o que feito sem planejamento pode aumentar o aporte de sedimentos para dentro do sistema o que poderá provocar o assoreamento de alguns rios, impactando diretamente a navegação e o turismo de pesca. Outra ameaça são as hidrelétricas, que podem interferir no regime hidrológico dos rios e estes, tendem a ajustar suas dinâmicas fluviais às intervenções. Impedir o desenvolvimento de atividades econômicas no entorno do Pantanal é muito difícil. Mas é necessário buscar entendimento entre os diversos setores para que se possam amenizar os impactos na região. Uma das alternativas para diminuir as mudanças ocasionadas por ações antrópicas seria recuperar as áreas degradadas no Planalto e introduzir técnicas apropriadas de ocupação e manejo do solo, principalmente nas cabeceiras: Isso resultaria na diminuição da entrada de sedimentos e, ao longo do tempo, os próprios rios buscariam um novo equilíbrio”, analisa.
Falta de dados sobre a situação
Em contrapartida, a chefe-geral da Embrapa Pantanal, Emiko Resende, diz que ainda não é possível apontar que o Pantanal já está sentindo os reflexos das mudanças climáticas globais. “Ainda não existem dados suficientes para responder a esta questão para o Pantanal. Entretanto, os dois últimos anos tiveram as cheias atrasadas. Geralmente, ocorre a enchente até final de maio e em junho, já se inicia a vazante, mas nestes dois últimos anos, a cheia se estendeu até junho e somente em julho, o rio Paraguai começou a secar, ao menos na região de Corumbá”, comenta.
Apesar desse atraso nas cheias nos últimos anos, Emiko reafirma que isso não pode ser atribuído ainda às alterações climáticas. “Como o sistema sofre de pulsos de inundação variáveis, ainda não é possível atribuí-los a mudanças climáticas. Entretanto, vale lembrar que o nível do rio Paraguai tem oscilado de forma variada ao longo do século XX e início deste século. As leituras da altura do rio Paraguai, na régua de Ladário, foram iniciadas pela Marinha do Brasil em 1900 e observou-se que, no período de 1960 a 1974, houve um período de seca de 14 anos, em que a altura máxima do rio Paraguai foi inferior às alturas mínimas das décadas seguintes. No período de 1975 a 2008, o rio Paraguai ultrapassou os 5 metros todos os anos, tendo havido cheias excepcionais que chegaram perto dos seis metros. A partir de 2008, as cheias voltaram a oscilar de ano para ano, entre cheias grandes e pequenas, como no período de 1900 a 1964. Dessa forma, ainda torna-se muito prematuro e difícil fazer qualquer previsão”, concluiu.
Mas se ainda não existem, conforme a Embrapa Pantanal, dados que atestem os efeitos das mudanças climáticas no Pantanal. A instituição trabalha em um projeto, o Pecus Pantanal, que está estudando os efeitos que pecuária causa no aquecimento global.
“O projeto faz parte da Rede Pecus, que está em todos os biomas do Brasil, respeitando os sistemas produtivos de cada um. No Pantanal, estamos medindo as emissões de metano entérico (produzidos pela fermentação entérica dos bovinos, que é um processo natural da digestão dos ruminantes) e as emissões de metano que vêm do solo, das áreas alagáveis. Essa emissão do solo é um processo que também é natural, comum em regiões de áreas alagáveis. O gás é produzido em solos encharcados, com pouco oxigênio. Nós investigamos, ainda, se esses solos absorvem o metano quando secam. Com essas investigações pretendemos, em primeiro lugar, produzir dados reais, que sejam medidos e não estimados a partir de parâmetros definidos internacionalmente, longe da nossa realidade. Assim, queremos analisar a contribuição efetiva da pecuária no Pantanal para a emissão de gases do efeito estufa e, consequentemente, para o aquecimento global. Também queremos verificar se existem ações que podem mitigar essa emissão ou compensá-la”, detalha a pesquisadora Ana Marozzi Fernandes.
Ela aponta que o projeto “Pecus Pantanal” está completando quatro anos em 2015 e ainda tem mais um de duração para a captação de dados, sendo os primeiros resultados divulgados entre 2016 e 2017.
Tudo normal para o produtor
Para o presidente do Sindicato Rural de Corumbá, Luciano Leite, a região ainda não foi afetada pelas mudanças climáticas. “Aqui não temos sentido a mudança climática não. O ritmo de cheia e seca permanece o mesmo. É lógico que temos, conforme pesquisas da própria Embrapa Pantanal, ciclos de cheia mais alta, que duram de 15 a 20 anos, e outros de cheia mais baixa, que durante o mesmo período, mas tudo dentro da normalidade”.
A formação do Pantanal
Segundo o professor Aguinaldo Silva, o Pantanal é uma bacia sedimentar quaternária localizada na bacia do Alto Paraguai. Na paisagem existem muitas “feições geomorfológicas”, herdadas de diferentes tipos de climas, que tem pelo menos cerca de 200.000, no período Pleistoceno. Muitas dessas “feições” ainda são visíveis na morfologia do bioma. Ele aponta que a paisagem tem se modificado desde o fim do Pleistoceno, em uma adaptação a um ambiente mais úmido e quente dominante no período Holoceno (a partir de 11.000 anos atrás).
“A paisagem do Pantanal como conhecemos hoje é uma vasta planície com baixo gradiente topográfico, tendo o rio Paraguai como tronco do sistema. O escoamento superficial das águas é muito lento e por isso muitas áreas são inundadas nos meses de verão e outono. Estudos realizados nos sedimentos da lagoa Gaiva indicam que no início do período Holoceno o clima era mais seco do que no presente, e é provável que uma seca importante influenciou as zonas úmidas entre 5 mil e 2 mil anos antes do presente. Há cerca de 2.000 anos houve novamente aumento da umidade na região. Os estudos que estão sendo desenvolvidos atualmente na área da lagoa Uberaba podem fornecer evidências adicionais para alterações na hidrologia e as ocorrências dos eventos em questão. Será interessante ver se a lagoa Uberaba foi sensível às alterações climáticas durante o Holoceno. As amostras estão em análise e a partir do resultados obtidos pelo método de datação pelo método do carbono 14, poderemos precisar melhor quando a precipitação aumentou e o Pantanal passou a ter as áreas inundáveis que conhecemos hoje”, explica o pesquisador.
Aguinaldo Silva diz que em razão da extensão do bioma ainda será necessário estudar muitas áreas para que se possa ter conhecimento da evolução do Pantanal como um todo. “Isto certamente dependerá de muitas pesquisas e muito tempo ainda”, concluiu.
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