Depois de um dos dias mais tristes do futebol brasileiro, como fica o coração das famílias dos meninos que aqui em Campo Grande sonham em jogar nos grandes times?
“Quando for famoso, a primeira coisa que vou fazer é ajudar a minha família”. O depoimento de Bryan, 9 anos, é compartilhado pelo irmão Breno, de 11, e pelo companheiro de time, Felipe, de 12. Em um dia triste para o futebol brasileiro, o treino seguiu no campinho de grama rala, em Campo Grande, porque nem tragédia ou temor dos pais conseguem tirar da cabeça deles e das famílias que o talento pode levar longe e garantir a transformação na vida de todos em volta.
Depois do incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento da base do Flamengo, os meninos da Escola de Futebol Náutico Futebol Clube foram para o treino na sexta-feira ao lado das famílias, a pedido do treinador que achou necessária uma conversa sobre o futuro.
Durante 1h30min, três vezes por semana, os meninos saem de casa para treinar no campo simples, já cheio de marcas de chuteira e buracos nas grades de proteção. Nada disso importa, muito menos desanima os meninos que, faça chuva ou faça sol, estão lá às 18h de uniforme, prontos para mais uma partida.
Duas vezes ao ano, os meninos do Naútico participam de campeonatos grandes pelo Brasil, normalmente entre dezembro e janeiro, depois entre junho e julho, sempre na época de férias escolares. É lá que os olheiros dos times profissionais vêem os jovens talentos e fazem o convite para as avaliações. “A cada 6 meses eles são chamados para uma nova avaliação, onde eles acompanham a evolução de cada um.
Quando eles completam 14 anos, acontece o último teste, que é decisivo. Nessa idade, por lei, eles já podem morar nos alojamentos, que é quando eles assinam contrato com o time e se mudam de uma vez para a base de treinamento”, explica Júlio César Ramos, treinador do Náutico FC.
Cada viagem dura em torno de 7 dias. A próxima na lista de Breno será no dia 18 de fevereiro, desta vez será uma bateria de testes no Sport Club Internacional. Para quem fica, além da torcida, fica o medo. “Temos um grupo no Whatsapp em que os professores e alguns pais que conseguem acompanhar a viagem mandam fotos e contam para os outros pais o que está acontecendo. A semana antes deles saírem daqui é sempre agitada, as crianças ficam ansiosas e o coração de mãe fica apertado. Não dormimos desde o momento em que eles saem daqui, até a hora em que eles voltam, tanto pela estrada que é perigosa, quanto por ter eles longe de casa. Mas confiamos muito no técnico, isso aqui para eles é uma segunda família”, conta Katween Ariane, de 31 anos, mãe dos irmãos Breno e Bryan.
Os meninos dividem o sonho com a família, que acompanha os treinos de perto. Gisele Nantes, mora em Anhanduí, há 63km de Campo Grande e duas vezes por semana encara 1h de carro pela BR-163 para trazer Felipe aos treinos, desde que ele cumpra regras. “Eles precisam manter as notas boas e passar de ano para continuar treinando, precisam ter uma rotina mais rígida que o normal para conciliar os estudos, o futebol e as viagens, mas é tudo por ele”, conta.
Jaqueline Pereira, de 29 anos, é mãe do Abner, que aos 9 anos já tem certeza do que quer, para isso a rotina inteira da casa mudou. “Ele chega da escola às 17h30, eu e meu marido voltamos do trabalho mais ou menos no mesmo horário, então ele precisa comer alguma coisa e se arrumar para treino nesse intervalo. Mesmo com essa rotina corrida, é o sonho dele e como família precisamos apoiar, então deixamos o cansaço de lado, jantamos mais tarde e vem todo mundo para o treino."
A morte de 10 jogadores do Flamengo, a fez pensar, mas não mudar os planos do filho. "Depois da tragédia, passa um filme pela cabeça, porque eles sempre viajam e poderia ter sido o meu filho, eu não sei o que pode acontecer quando ele está fora. Hoje ele está aqui treinando em casa, amanhã pode ser que um olheiro olhe para ele e leve ele embora. A tragédia pode acontecer em qualquer lugar, até mesmo no campo, eles podem cair e se machucar. Sofremos no canto, mas precisamos deixar eles livres para seguir os próprios sonhos e acredito que mesmo essa fatalidade não vai tirar ele do caminho”, diz.
Hoje o Náutico FC conta com psicóloga que a cada 15 dias faz um trabalho dinâmico com o grupo, “É o mínimo de suporte que eles precisam. Ano passado fomos para a final em Nova Andradina para o Grêmio, com 4 mil pessoas em um estádio, nós perdemos nos pênaltis. O Felipe errou o chute na final, imagina como fica a cabeça do menino, ele ainda é uma criança. Tem toda a preocupação de estar longe de casa e ficar longe da família, que querendo ou não pesa na hora de seguir a carreira. Sempre digo que talento todos eles têm, mas só fica na profissão quem também tem um bom psicológico, porque é uma criança de 14 anos que vai morar longe dos pais para seguir um sonho”, conta Júlio.
Além do cuidado durante os treinos, Júlio também diz que antes de cada viagem a equipe procura saber como a estrutura do clube que vai receber o time está, cada professor que acompanha os atletas é responsável pelo bem estar e segurança deles, no processo eles assistem aos treinos, ficam no mesmo alojamento, estão atentos às refeições e as condições de cada jogador. “Como treinador e responsável, a preocupação é imensa, porque tirar eles do ambiente de casa não é fácil. Cada menino tem a própria cultura, sua educação, eles sentem falta de casa, dos pais, é o tempo todo lidando com tudo isso”, diz.
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