PM removeu metade da equipe do Programa Mulher Segura depois do desabafo de uma policial após o caso de Vanessa Ricarte.
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O desabafo em uma rede social de uma policial militar, que tem uma medida protetiva contra o ex-marido também policial, pode ter custado o desmonte da equipe do Programa Mulher Segura (Promuse), da Polícia Militar (PM).
A policial, cujo nome será mantido em sigilo a pedido dela, por temor de mais represálias, fez o desabafo na sexta-feira, na publicação de um perfil do Instagram sobre o assassinato da jornalista Vanessa Ricarte, morta pelo ex-noivo logo depois de ter deixado a Casa da Mulher Brasileira com uma medida protetiva impressa em suas mãos.
“Eu sou policial militar, tenho medida protetiva, precisei de uma escala que me ajudasse financeiramente para não voltar ao ciclo de violência, pois estou vulnerável. Dentro da instituição policial me tiraram a escala e me deixaram sem apoio nenhum financeiro”, desabafou a policial, que convivia desde 2019 com vítimas de violência doméstica.
A policial contextualiza que atua no monitoramento e no resgate de vítimas de agressão e que já salvou a vida de uma delas. É o caso de uma senhora que era vítima de cárcere privado e estuprada pelo ex-marido.
Na ocasião, foi a sensibilidade da policial, que trabalhava no monitoramento e no atendimento constante das vítimas de violência doméstica, que a fez enviar uma viatura e evitar o pior, pois a vítima temia por sua vida.
REPRESÁLIA
O desabafo da policial militar foi a gota d’água para o comando da PM, que pediu a exoneração dela e de outros três colegas de trabalho: outra mulher e dois rapazes, como consta Diário Oficial desta segunda-feira.
Apesar de o Diário Oficial ser público e de serem conhecidas na caserna, elas insistiram com o Correio do Estado para que seus nomes não fossem publicados, condição que foi aceita.
A queixa da policial que foi às redes sociais denunciar que não tinha acolhimento dentro da polícia também foi determinante.
“Trabalho com a maior excelência possível para as mulheres, porém, na instituição em que eu trabalho, não tenho acolhimento”, afirmou.
A crise que se instalou no serviço de proteção à mulher vítima de violência doméstica no fim de semana, com a viralização do áudio de Vanessa Ricarte expondo o descaso da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) no seu atendimento, horas antes de ela ter sido assassinada, para que a remoção da policial e dos outros três colegas do Promuse fosse publicada no Diário Oficial de ontem.
O documento revelando a mudança na composição do Promuse foi assinado pela coronel Neidy Nunes Barbosa Centurião, subcomandante da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.
DESABAFO
A remoção de metade da equipe do Promuse gerou um novo desabafo, desta vez ao Correio do Estado. Acreditando terem sido vítimas de uma represália, elas afirmam que faziam um trabalho hercúleo, afinal de contas, o Estado tem 1,4 mil medidas protetivas ativas e apenas as duas eram responsáveis por verificar se todas estavam sendo cumpridas.
“Pelo volume de ocorrências de violência doméstica que temos no Estado, deveria existir um batalhão específico para este segmento, mas aqui fazíamos este trabalho de acompanhamento das vítimas em apenas duas”, desabafou uma das sargentos removidas sumariamente.
A colega dela ressalta que tanto a PM quanto o poder público não direcionam os esforços que o tema violência doméstica merece.
Ela conta que a viatura velha do Promuse (apenas uma) foi substituída só no ano passado. De fato, uma das viaturas enviadas ao local foi comprada com recursos federais específicos para a causa.
Ao serem perguntadas se houve falha no sistema de proteção da Casa da Mulher Brasileira à jornalista Vanessa Ricarte, uma das policiais afirmou ao Correio do Estado.
“Todos os dias temos casos assim lá na [na Deam]. A gente vai para casa rezando para que uma tragédia não aconteça”.
O Promuse, criado para que as policiais tenham escuta ativa para ganhar a confiança das vítimas, mesmo com o baixo efetivo, teve bons resultados.
“As mulheres passaram a ligar diretamente para o Promuse, muitas não procuravam a Casa da Mulher Brasileira. Evitamos muitas tragédias”, contou uma das policiais.
Sobre a remoção, as policiais revelaram que uma superior delas apenas justificou atestados médicos recentes, situação da qual se defendem.
“Eu tenho duas doenças autoimunes, decorrentes da atividade policial, que têm suas crises”, explicou a primeira policial.
A segunda, a autora do desabafo na internet que desencadeou a transferência em massa, conta que ficou ausente apenas 10 dias no ano passado, período em que se deslocou a Brasília (DF) para tratar e examinar um tumor, que levantou suspeita de ser um câncer.
Outra justificativa apontada pela oficial foi o fato de elas não levarem números para o comando. Elas se defendem e afirmam que são responsáveis pela função que lhes é cobrada.
O CASO DE VANESSA
As falhas no sistema de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica vieram à tona depois do assassinato da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, na noite de quarta-feira, por seu ex-noivo, Caio Nascimento, de 35 anos.
Ele matou ela dentro da casa onde o casal vivia, com três facadas no peito. Vanessa havia recém-saído da Casa da Mulher Brasileira, onde funciona a Deam, com uma medida protetiva impressa nas mãos.
Acompanhada de um amigo, ela passaria em casa para pegar roupas para dormir na casa de uma pessoa de sua rede pessoal de proteção. Quando adentrou a casa, foi ferida pelo ex, que mais tarde foi preso em flagrante.
No dia seguinte, as delegadas da Deam afirmaram que Vanessa havia recusado o abrigo oferecido. A versão oficial estava posta. As policiais civis das Deam, contudo, não contavam com áudio de Vanessa expondo o mau atendimento na delegacia, em tom de desabafo a uma amiga, horas antes de ser morta.
O desabafo de Vanessa criou uma crise no sistema de proteção à mulher vítima de violência doméstica e também uma enxurrada de testemunhos e depoimentos sobre o mau atendimento da Deam nas redes sociais. Um desses desabafos foi o da policial, cujo ex-marido agressor também é da PM, que acabou removida do trabalho de acolhimento às vítimas.
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