A produção de mel no Pantanal, que normalmente ocorre entre setembro e outubro, depende da florada que começa em junho.

“Prejuízo é certo”, dizem apicultores após fogo no Pantanal destruir colmeias
Produção de mel de ribeirinha que teve suas caixas de abelha queimadas nos recentes incêndios no Pantanal, na região de Miranda. / Foto: Arquivo pessoal

'Prejuízo é certo', aponta Gilberto Adão dos Santos, apicultor no Pantanal e presidente da Cofenal (Associação dos Apicultores Mel do Pantanal), sobre o impacto das queimadas na produção de mel na região. Segundo ele, pelo menos seis produtores tiveram suas colmeias destruídas pelos incêndios deste ano.

A produção de mel no Pantanal, que normalmente ocorre entre setembro e outubro, depende da florada que começa em junho. No entanto, segundo Gilberto, o fogo comprometeu o ciclo de produção. 'A maior influência é que muitos apicultores perderam suas colmeias. O fogo acabou com tudo, mas ainda é cedo para saber o impacto total', explica.

O presidente da Cofenal afirma que ainda não há dados concretos sobre o número de colmeias queimadas, já que as chamas continuam ativas em várias áreas, o que impede uma avaliação completa dos prejuízos. Ele explica que a Cofenal conta com 13 produtores de mel vinculados à associação. 'Alguns ainda não sabem o estrago total. Um deles tinha 200 colmeias, mas acredita ter perdido todas', relata.

Gilberto conseguiu evitar maiores danos ao limpar a área ao redor de suas colmeias, mas ele ressalta que o mesmo pode não ter acontecido com outros apicultores da região. Um dos produtores de mel no Pantanal e integrantes da Cofenal, o apicultor Almir Barbosa, é um dos que relata ter perdido caixas de abelha.

Aqui queimou 57 caixas de abelha, que ficam onde criamos aqui na beira do rio Aquidauana. Então, de 87 caixas, sobraram só 30. O fogo acabou com tudo aqui embaixo', explica Almir.

Outra apicultora e pescadora da região, Nilza Bandeira Zwicker, de 59 anos, também teve sua produção de mel interrompida pelos incêndios no Pantanal. Ela é uma das ribeirinhas que vive em Miranda, às margens do rio que dá nome ao município, localizado a 208 km da Capital.

Nilza explica que essa é a segunda vez que perde suas caixas de abelha para o fogo intenso. Em novembro do ano passado, ela acabou parando no hospital após tentar salvar as abelhas que ficam em caixas instaladas em árvores na beira do Rio Miranda. Ela e seu esposo, Osmar Xavier Bandeira, tiveram um prejuízo maior de R$ 10 mil.

No ano passado, nós perdemos quase 80% da nossa produção. Com doações conseguimos recuperar, mas agora que colocamos as colmeias de novo, elas foram queimadas. Elas começaram a queimar há mais de 15 dias', explica a ribeirinha.

Este ano, ela ainda não conseguiu estimar o número exato de caixas perdidas, já que os focos de incêndio continuam ativos na região. 'Vou descer para essas áreas depois que o fogo passar, porque ainda está queimando muito e o ar está difícil de respirar. Depois vou ver se alguma caixa de abelha sobrou', diz.

A produção de mel é uma das principais fontes de renda para Nilza e sua família, que vive em uma vila de pescadores. Ela explica que em média, como pequena produtora, tirava entre R$ 7 mil por colheita de mel. “É um meio sustentável de renda, porque ajuda o meio ambiente'.

Entretanto, nesses últimos anos, ela explica que a produção foi comprometida pelo incêndio generalizado na região do Pantanal. “É difícil falar uma região por aqui que não tenha queimado. Nesse momento, tem fogo em áreas do Pantanal que estavam seguras e voltaram a queimar. Tá muito difícil produzir mel no Pantanal', lamenta Nilza.

Além da apicultura, a pesca, outra atividade vital, também tem tido dificuldades nos últimos meses. “O nível do rio está baixo e está difícil de navegar. Minha irmã quase perdeu a lancha em um incêndio. Tá muito complicado, porque vivemos da pesca e do mel.'

Nascida às margens do Rio Miranda, como ela mesma conta, Nilza lamenta a situação atual do Pantanal, um lugar que conhece desde a infância. 'Já vi o Pantanal em sua melhor forma, e hoje é triste vê-lo queimando desse jeito. Não dá para quantificar o tamanho da tristeza, do prejuízo e da tragédia que está acontecendo no Pantanal'.

Produção ribeirinha - Diante da gravidade da situação, a Ecoa (Ecologia e Ação), organização socioambiental que atua no Pantanal, enviou uma carta à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na qual solicita um plano especial de proteção para as famílias ribeirinhas, incluindo os produtores de mel.

O diretor institucional da Ecoa, Alcides Faria, explica que a organização tem acompanhado e auxiliado as famílias ribeirinhas na produção de mel há anos. Segundo ele, nos últimos anos, foi possível estabelecer uma produção razoável na Serra do Amolar, envolvendo famílias da região.

Entretanto, entre 2020 e 2021, as secas, os incêndios, a destruição da vegetação e a morte de animais também comprometeu a produção melífera dessas famílias. “Toda a Serra foi devastada pelo fogo, inclusive o entorno da nossa base no Porto Amolar. Essa destruição da vegetação e dos animais quebrou a dinâmica dos ecossistemas, comprometendo as possibilidades de alimentação e produção de mel pelas abelhas', explica Alcides.

Ele acrescenta que, nos anos seguintes, não houve produção suficiente para ser processada no Centro de Processamento do Porto Amolar - que foi construída com apoio da organização. Somente neste ano foi possível reiniciar uma produção em menor escala, que agora pode estar ameaçada pela nova onda de incêndios.

“Somente agora, em 2024, a produção foi retomada, mas ainda em escala menor do que o esperado. Famílias de uma região próxima, no Paraguai Mirim, também conseguiram alguma produção. Não temos como fazer uma comparação precisa. Na região do Amolar, a produção estava começando quando veio a seca e os incêndios', explica Alcides.

A Ecoa também lidera um programa de proteção de polinizadores, com campanhas educativas e produção de mel em áreas não contaminadas por agrotóxicos. 'Fizemos uma coleta de méis no Pantanal e enviamos para a Universidade de Neuchatel, na Suíça. O resultado surpreendeu: não haviam traços de neonicotinóides [tipo de agrotóxico], o que impressionou os pesquisadores, pois isso é uma raridade em nível global', explica Faria.

Contudo, Alcides ressalta que essa realidade não se aplica a todas as áreas, já que regiões produtivas próximas a cultivos de soja apresentaram contaminação. “Esse resultado não pode ser generalizado para todo o Pantanal, pois em méis de regiões próximas a cultivos de soja, por exemplo, foram encontrados traços de agrotóxicos'.