Vinte dias após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, há poucas respostas e muito estrago pela lama de rejeitos de minério que atravessou Minas Gerais e o Espírito Santo, pelo Rio Doce, e agora está chegando ao mar de Linhares, no litoral capixaba. O diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, diz que ainda não se sabe o que causou o estouro da barragem e que serão necessários ao menos de seis meses a um ano para descobrir o que houve de fato.
Sobre os funcionários e o futuro da Samarco, cujos donos donos são a Vale a anglo-australiana BHP Billiton, Vescovi afirma que ainda é cedo para saber o que será feito. Enquanto a empresa, dona do complexo de armazenamento de rejeitos, foca esforços em resolver questões emergenciais, todo o ecossistema atingido morre no maior desastre ambiental do país e a população ribeirinha fica sem saber até quando sofrerá os efeitos disso tudo.
Como é possível que uma barragem daquele porte se rompa? Houve negligência? Onde a empresa falhou?
Em relação às causas desse acidente, elas estão sendo investigadas por uma série de profissionais do Brasil e de fora do país. Certamente é uma resposta de solução complexa porque vai diversas disciplinas da engenharia, geotécnica, geologia, mecânica dos solos, mecânica das rochas. Todos estão empenhados em levantar as hipóteses, depois provar cada uma delas.
É importante dizer que essa barragem era tida como modelo de operação, muito bem monitorada, isso é um consenso de todos que conheciam a operação de Fundão. Daí a surpresa quando identificaram que ela não se rompeu progressivamente, mas de uma vez só. Foi um evento único, eu estou falando a partir dos relatos de testemunhas que estavam no local, no dia do acidente e que testemunharam e estão dando depoimentos de que a barragem se rompeu de uma vez só, de um lado a outro.
Temos quase três semanas desde que a barragem se rompeu. Quanto tempo mais será necessário para ter essa resposta?
Essa é uma resposta que vai demorar alguns meses, entendo que entre seis meses e um ano para se chegar às causas fundamentais desse acidente. Não é uma resposta simples, pois envolve diversas ciências que devem ser coordenadas. Certamente a resposta não está em um lugar só.
Em relação às barragens de Germano e Santarém, há risco delas também romperem. Como isso está sendo monitorado e o que está sendo feito para diminuir o perigo?
Hoje o dique de Celinha, que é integrante desse complexo de barragens, está com fator de segurança de 1.22, significa que ele está com 22% de nível acima do ponto de equilíbrio da barragem, e Santarém está com 1.37, ou seja, está com 37% acima. A Samarco desde o primeiro momento colocou o sistema de monitoramento online 24 horas com radar, com scanners automáticos eletrônicos, com fotografias por terra e por ar, com drones, além da inspeção visual. Tudo isso monitorado em uma sala de controle 24 horas de forma a observar qualquer tipo de movimento anômalo. Desde o primeiro momento até agora nada foi observado de anormal por todo essa sistema. Ao mesmo tempo nós iniciamos trabalho de reforço dos diques de Celinha e de Santarém. O fator de segurança vai aumentando progressivamente até chegar a 50%, que é o que preconiza a norma.
Ainda há rejeitos provenientes da barragem rompida caindo no Rio Doce? Há alguma maneira de conter isso?
Estamos criando diques de contenção na saída do extravasor da barragem de Santarém. Esses diques estão sendo construídos agora. Mas como a barragem desceu inteira, o grande impacto foi naquele momento.
Os rejeitos de minério das barragens estavam sendo guardados para fazer um outro produto? O limite estava acima do que deveria?
Não. As barragens de rejeito são parte integrante do processo de mineração. A Samarco trabalha com minério de baixo teor do Quadrilátero Ferrífero (região localizada no centro-sul de Minas Gerais, maior produtora nacional de minério), que não têm valor econômico in natura. Eles precisam ser beneficiados e nesse processo você retira impurezas que são comumente chamadas de rejeito de mineração. Esse material fica estocado, guardado em barragens que deixam de operar quando a empresa acaba e aí é feito um projeto, dependendo do plano de fechamento da empresa, e essas barragens são mantidas ali para sempre.
Há uma série de consequências ambientais, sociais e econômicas pelo que rompimento da barragem. O seguro da empresa consegue cobrir tudo?
A Samarco é uma empresa com 38 anos de existência e tem sido sólida nessa trajetória, possui parcerias e clientes desde o seu início. Financeiramente, sempre foi uma empresa saudável. Claro que agora temos um impacto grande porque não conseguimos dimensionar na prática o tamanho disso que estamos vivendo, mas eu tenho certeza que vamos conseguir dimensionar isso com essa história de solidez e a robustez da empresa em relação às suas reservas e ao seu próprio mercado, e contando com todo esse suporte dos nossos acionistas.
Já se tem noção do tamanho desse prejuízo?
Não. Nós estamos vivendo ainda esse dia a dia. Contratamos uma empresa de renome internacional nesse tipo de desastre com a expertise de pessoas que participaram de outros desastres no mundo. Já estão em campo fazendo os levantamentos necessários tanto do ponto de vista social quanto do ambiental e ao longo de todo o Rio Doce para que a gente possa ter esse número e consiga ver as ações que precisamos tomar para o futuro. Porque no presente, o que estamos fazendo é atuar nas situações de emergência.
O senhor acredita que o Rio Doce está morto?
Eu acredito que o Rio Doce, com atuação não apenas da Samarco, mas de muita gente que o quer bem, tem total condição de se tornar um rio melhor do que era antes. Sou de Vitória e estudei em Minas Gerais, sou fruto dessa região. Ver esse rio sofrendo faz sofrer a mim e muitas pessoas da Samarco. Eu acredito na recuperação, não é o trabalho de uma pessoa, de uma empresa ou uma entidade só. Tem muita gente que tem muito conhecimento sobre o rio, que tem se posicionado falando que é possível, que se trabalharmos juntos a gente consegue. Tenho total confiança de que a gente consegue fazer o Rio Doce se tornar novamente um rio limpo.
A empresa terá condições de seguir operando?
Para uma empresa operar, ela depende de duas coisas, alguém precisa querer que ela exista e é preciso que a sociedade permita isso. Essas duas posições precisam ser colocadas e, no momento, nós estamos muito focados na ajuda humanitária. Já estamos com equipes em campo em Minas Gerais e no Espírito Santo cadastrando as pessoas impactadas direta e indiretamente e trabalhando para mitigar os efeitos no meio ambiente. Essas são nossas duas prioridades no momento. A discussão se a Samarco vai voltar ou não a operar virá em um outro momento mais a frente e aí vai depender da capacidade da empresa oferecer para sociedade alguma coisa que seja possível e da sociedade entender se ela quer ou não.
Já chegou até o senhor alguma discussão entre Vale e BHP Billiton (sócias controladoras da Samarco) sobre esse assunto? Elas querem que a Samarco continue existindo?
O que eu tenho recebido é muito apoio, suporte tanto da Vale quanto da BHP. Na semana passada tivemos em Mariana o CEO mundial da BHP, o Andrew Mackenzie, junto ao CEO da Vale, Murilo Ferreira. Vieram in loco para prestar não só a solidariedade mas para oferecer todo apoio e suporte para Samarco para vencer esse momento. Eles têm claramente na intenção de estar conosco como sempre estiveram. Não tem nenhum indicativo contrário a isso.
Como enxerga os sócios decidindo pela manutenção da empresa ou um processo de licenciamento para uma nova barragem depois disso?
O Brasil é um país que tem uma maturidade institucional, com instituições bem colocadas que vão atuar no momento certo para levantar esse debate para a sociedade e a Samarco vai participar disso. A Samarco é uma empresa que sempre foi movida pela determinação de fazer melhor e do que é certo. Tenho certeza que como empresa estaremos abertos para participar ativamente de qualquer tipo de discussão, mas de forma organizada através das instituições que têm responsabilidade sobre isso.
São cerca de 5 mil empregos diretos e indiretos. Milhares já estão em férias coletivas até janeiro. E depois?
Essa é uma discussão que estamos encaminhando. Fizemos essa primeira situação de licença remunerada e de férias coletivas durante esses dois próximos meses para que pudéssemos discutir com nossos empregados como procederemos de agora em diante e para tomar algumas decisões. A Samarco sempre teve muito respeito pelo comprometimento e pela forma como nossos empregados se posicionam. Todos têm muita confiança na empresa não é de agora, e nós saberemos responder a isso.
É possível evitar demissões?
Agora não é possível confirmar nada. Tem uma situação com a qual estamos lidando a medida que ela vai evoluindo. Colocamos essas pessoas em licença remunerada, já indicamos férias coletivas, fazendo com que todos de alguma maneira tenham esse horizonte e estamos em um processo de discussão.
O senhor está com um habeas corpus preventivo. Tem medo de ser preso?
Estou desde o primeiro dia trabalhando intensamente nessa emergência com todas as outras pessoas da Samarco diretamente envolvidas. Esse é o meu momento, de como estou vivendo essa crise diariamente nessa frente de trabalho. Para as questões jurídicas temos um corpo jurídico que está tratando disso. Eu estou focado em trabalhar para mitigar essa situação.
Qual é o futuro da Samarco?
É enfrentar as dificuldades que está sofrendo, que nunca enfrentou desse porte, dessa magnitude, com confiança de que podemos superar isso tudo com ajuda de muitas pessoas que nos querem bem.
Qual o futuro do senhor?
É liderar e eu estou pronto, estou fazendo isso. Liderei a Samarco em seus tempos de glória, antes de tudo acontecer. Estou me sentindo muito preparado, forte emocionalmente para lidar com a situação. Estou trabalhando com pessoas que amam a empresa tanto quanto eu, que vivem a empresa tanto quanto eu. Trabalho na Samarco há 23 anos, entrei como estagiário, passei por diversas posições e agora me sinto muito preparado para continuar fazendo.
Há milhares de vítimas dessa situação, pessoas que morreram, que perderam parentes, que perderam seus trabalhos. O que o senhor tem a dizer para eles?
As causas dessa tragédia ainda não foram estabelecidas, ainda estamos estudando com muita gente capacitada para entender o que causou esta tragédia. Em relação às consequências e aos impactos que isso tem na vida dessas pessoas, a Samarco pede desculpas tanto às famílias que foram diretamente impactadas, que perderam entes queridos, quanto aos que foram indiretamente impactados, tantas pessoas ao longo do Rio Doce que estão perdendo alguma fonte de renda ou forma de vida. À população do Espírito Santo e Minas Gerais, a Samarco também se desculpa. Nós estamos muito tristes, consternados e trabalhando para reverter e procurar soluções.
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