Tatuador brasileiro cria projeto gratuito para recuperar autoestima de pacientes de câncer de mama

Há nove anos, Sendlea Trotta, de 53 anos, descobriu que tinha câncer de mama. Morando em Manaus, ela voltou à cidade natal, São Paulo, para fazer a quimioterapia e mastectomia da mama direita. A reconstrução do seio, procedimento indicado nestes casos, precisou esperar. Fumante, Sendlea colocou apenas um extensor no local para introdução de próteses de silicone em 2007.

No final do ano passado, no entanto, através da filha e do genro, ela conheceu o tatuador Miro Dantas. Profissional reconhecido e com 21 anos de experiência, Miro divulgou no Facebook que estava à procura de pacientes de câncer de mama para realizar tatuagens gratuitas a fim de reconstruir o seio. Assim, Sendlea foi a primeira mulher a participar do projeto “Uma tattoo por uma vida melhor”, no final de janeiro.

— Até então eu me olhava no espelho e passava batido. Hoje, eu olho e presto atenção nos meus seios, digo “está lindo”. Ficou muito perfeito. O Miro é muito carinhoso, muito paciente. Quando vi o resultado, disse “não acredito”, ficou muito lindo. Agora tem muita diferença, porque eu olho e fica igual. Deu uma levantada na autoestima — conta Sendlea, que se empolgou tanto para a sessão com Miro que fez outras duas tatuagens enquanto esperava pela reconstrução.

Agora, ela pretende fazer um encontro com outras pacientes do Hospital Pérola Byington, onde fez o tratamento, para relatar a experiência e ajudar outras mulheres a recuperar a autoestima.

— Depois da mastectomia, fui me conformando com a situação. Apesar do seio ser um símbolo da gente como mulher, o buraco é mais embaixo, ou mais em cima, não sei. Mas quando vi a repercussão da foto que o Miro postou no Facebook, vi que estava ali, quis falar para incentivar as pessoas.

Inspiração

A ideia do projeto nasceu da experiência de Miro com outras clientes que passaram pela mastectomia e não tiveram uma opção satisfatória de reconstrução. Especialista na técnica realista, o tatuador se impressionou com o testemunho de muitas delas, aconselhadas a seguir em frente e aceitar as cicatrizes.

— Durante 21 anos de profissão, muitas mulheres me procuram para saber sobre a possibilidade das tatuagens ajudarem, mas poucas fizeram. Com o passar do tempo fui percebendo a grande importância dessas reparações e o quanto trazia de volta a autoestima das mulheres afetadas pela luta contra o câncer de mama. O que me intrigou foi perceber alguns casos que passaram por acompanhamento psicológico e que essas mulheres foram orientadas a tocar a vida pra frente do jeito que elas estavam, mutiladas. Do tipo “você já venceu a doença, agora aceite como você é”. Eu não concordo com isso. Essa orientação afeta diretamente a autoestima dessas pessoas, refleti muito sobre isso e achei que o meu trabalho poderia agregar algo possitivo.

O resultado foi além do esperado pelo profissional: em apenas três dias, a foto com a tatuagem de Sendlea teve mais de 50 mil curtidas e 23 mil compartilhamentos no Facebook. Agora, Miro entrevista outras mulheres para participar do projeto. A ideia é atender pelo menos uma pessoas por mês, sempre de forma gratuita.

— Eu só posso dizer que estou muito feliz em poder fazer algo produtivo e poder mostrar pras pessoas que encararam a luta contra o câncer que é possível, com um gesto e atitude simples, dar a volta por cima e tentar esquecer as dificuldades, tentar tocar a vida com a autoestima renovada. É muito bom o reconhecimento das pessoas, principalmente nesse momento de sensibilidade social com eleições, manifestações, violência. As pessoas precisam de notícias boas, de atos que as inspiram a fazer o bem.Tento fazer a minha parte.