Viver e produzir alimentos sem água é impossível. Mas, o que fazer quando a única fonte disponível tem altos teores de sal?.
Sabe-se que o uso inadequado das águas salinas causa grandes prejuízos ao meio ambiente e à agricultura, provocando processos de salinização do solo.
No entanto, estudos desenvolvidos em várias regiões do mundo indicam que ela não é, necessariamente, uma vilã. Pelo contrário, pode ser uma saída para regiões que não dispõem de outra alternativa.
É o caso de muitas localidades do Semiárido brasileiro, onde há um elevado potencial de águas subterrâneas, mas que, em sua maioria, são salinas ou salobras.
E é de poços perfurados nessas condições que um grande número de famílias tira a água para beber, além de utilizá-la em atividades agrícolas e na criação de animais.
Para que fique própria para o consumo humano, essa água passa por um processo de dessalinização, por meio de aparelhos com filtros bastante potentes.
"O uso dos dessalinizadores tem sido uma alternativa em todo o mundo para se obter água de qualidade superior, visando a atender à demanda de populações, especialmente em regiões com elevada escassez hídrica", observa Gherman Araújo, pesquisador da Embrapa Semiárido.
No entanto, ele alerta que esse processo, além de permitir a obtenção de água potável, produz também um rejeito com concentração ainda mais alta de sais, que podem trazer prejuízos para o solo de forma muito rápida.
Visando a proporcionar o uso desse rejeito com o menor impacto ambiental possível, a Embrapa desenvolveu uma tecnologia que une a criação de peixes com a produção de plantas.
Nesse sistema, o rejeito da dessalinização é depositado em dois grandes tanques de 330m³, utilizados de forma comunitária para a criação de tilápias que se desenvolvem bem nessas condições. Um terceiro tanque armazena o concentrado que já passou pelos tanques de criação.
Acrescida da matéria orgânica produzida pelos peixes, a água contida nesse tanque é utilizada para irrigar plantas resistentes ou tolerantes à salinidade, como a erva-sal, destinada à alimentação de animais.
De acordo com Gherman Araújo, em um ano é possível produzir cerca de 650 kg de peixe por tanque, e aproximadamente dez toneladas de forragem em apenas um hectare.
"Assim, além de fornecer água potável para a comunidade, o sistema também gera novas alternativas de produção e aumento da renda familiar, tudo isto com a garantia da preservação do meio ambiente", destaca.
Esse sistema de uso integrado do rejeito do dessalinizador tem sido utilizado como a principal tecnologia do Programa Água Doce, do Governo Federal. Lançado em 2004, ele vem sendo implantado em diversas comunidades rurais do Semiárido, beneficiando cerca de 100 mil pessoas em 154 localidades do Nordeste.
Além desse sistema, trabalhos de pesquisa têm buscado oferecer outras alternativas para o uso do rejeito da dessalinização.
Uma delas é a flexibilização do sistema comunitário, considerado de grande porte, adaptando-o para um sistema de produção familiar e poços de menores vazões, com a utilização de pequenos tanques de criação de peixes, com cerca de cinco mil litros.
Outra ainda é a prospecção e a avaliação de novas cultivares de plantas alimentares e forrageiras e espécies de peixes resistentes ou tolerantes à salinidade que poderão ser incorporadas ao sistema.
O potencial de utilização das águas salinas diretamente nas atividades produtivas também vem sendo avaliado, como o uso para a dessedentação animal ou para pequenas irrigações.
"Nós entendemos que a água salina é uma alternativa de aumento da eficiência dos sistemas produtivos na região semiárida. Ela não é um problema, é uma alternativa de solução para o incremento da produção familiar", afirma Gherman Araújo.
Ele ressalta, no entanto, que esta água precisa ser usada de forma sazonal e estratégica. A intenção, segundo ele, é explorar o ciclo das chuvas e fazer uma complementação com as águas salinas.
"É preciso usá-las com conhecimentos técnicos, de forma racional e respeitando as características do solo, água, clima, plantas e animais", ressalta.
Publicado na Revista XXI Ciência para a vida
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