O uso excessivo e frequente do mesmo defensivo agrícola e na mesma área de controle de pragas (doenças, insetos-praga e plantas daninhas) em culturas agrícolas, como a soja, estão levando estes produtos a perderem eficiência no campo.
O alerta é da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que, diante desse quadro preocupante, vem trabalhando no mapeamento de populações resistentes aos agroquímicos para propor estratégias que possam evitar a resistência e garantir segurança e sustentabilidade à produção agrícola no Brasil.
“É preciso recolocar as táticas de manejo na rota da sustentabilidade. Pensar a propriedade dentro do sistema de produção, com uma visão mais estratégica do ponto de vista da sustentabilidade do negócio.
Daqui para frente, será cada vez mais necessário investimento em programas de manejo que envolvam a diversificação de culturas e a rotação de químicos com diferentes mecanismos de ação”, explica o chefe-geral da Embrapa Soja, José Renato Bouças Farias.
Os pesquisadores vêm identificando medidas que podem ser adotadas para evitar a seleção de populações resistentes e garantir que os agricultores tenham alternativas eficientes e seguras para controlar as pragas.
FERRUGEM ASIÁTICA
No caso da ferrugem asiática da soja, principal doença que afeta a cultura no País, o custo médio para o controle é de cerca de US$ 2 bilhões por safra. E apesar da contribuição dos fungicidas, uma redução da eficiência desses produtos vem sendo observada desde a safra 2007/08.
Ensaios cooperativos realizados pelo grupo de pesquisadores do Consórcio Antiferrugem (www.consorcioantiferrugem.net), em várias regiões brasileiras, mostraram redução de eficiência de alguns produtos.
Esse problema tem sido associado à seleção de populações do fungo menos sensíveis aos fungicidas”, explica a pesquisadora Cláudia Godoy, da Embrapa Soja.
“Estamos em um momento muito delicado no manejo desta doença, porque existe o risco real de perda de eficiência de fungicidas. Nossas ações vão determinar se a cultura da soja continuará economicamente viável”, alerta.
Ela explica que, “embora a média para controle da doença no Brasil seja de três pulverizações por hectare, nas primeiras semeaduras são feitas entre uma e duas aplicações.
Nas semeaduras tardias e na safrinha de soja, que recebem o fungo das primeiras semeaduras, são registradas entre quatro e oito aplicações de fungicidas para o controle da doença.
“Esse excesso de aplicações, além do alto custo, exerce uma pressão de seleção para populações resistentes e essa situação deve ser evitada”, salienta Cláudia.
Os fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertencem a três grupos distintos: os Inibidores de desmetilação (DMI), os Inibidores da Quinona Oxidase (QoI) e os Inibidores da Succinato Desidrogenase (SDHI). Ao ser identificada no Brasil, no ano de 2001, a ferrugem asiática foi controlada com a aplicação de fungicidas dos dois primeiros grupos.
“Naquela época, alguns deles apresentavam alta eficiência de controle, mesmo quando usados isoladamente. Atualmente os produtos isolados não apresentam boa eficiência. Por isso, recomendamos a utilização de misturas comerciais de fungicidas com diferentes mecanismos de ação”, destaca Cláudia.
CONTROLE
A pesquisadora destaca que o produtor deve usar todas as estratégias para o controle da doença. A primeira delas é respeitar o período do Vazio Sanitário e fazer a semeadura no início da época recomendada com cultivares precoces.
“Ele deve sempre monitorar a doença para entrar com o controle no momento correto e manejar os fungicidas. São várias estratégias que você pode recomendar para que se faça esse manejo de forma correta”, esclarece.
Outra recomendação importante, segundo a pesquisadora, é que o produtor sempre respeite as doses recomendadas pelo fabricante, nunca utilize subdoses, porque isso favorece essa seleção pré-resistência . Além disso, ela recomenda, deve-se evitar aplicar de forma muito curativa.
“O correto é que essa aplicação o tem que ser ou preventiva, quando surgem os primeiros sintomas da doença, evitando repetir a aplicação do mesmo produto numa sequência maior que duas vezes.”
A partir da safra 2013/14, foram registrados as primeiras misturas de fungicidas com o grupo SDHI para cultura da soja.
“Agora toda a cadeia produtiva precisa realizar um esforço para prolongar a vida útil desse terceiro grupo, por meio da adoção de estratégias antirresistência”, enfatiza a pesquisadora.
CONSÓRCIO ANTIFERRUGEM
Como estratégia de transferência de tecnologia para a ferrugem asiática da soja foi criado, em 2004, o Consórcio Antiferrugem.
Paralelamente à criação dele, foi formada uma rede de ensaios cooperativos para testes de fungicidas entre pesquisadores de todo o Brasil, responsável por gerar conhecimento para subsidiar as ações de pesquisa, de técnicos e de produtores no campo. Atualmente, a rede de ensaios cooperativos também compõe o Consórcio Antiferrugem.
O Consórcio conta com aproximadamente 100 laboratórios cadastrados em todo o Brasil, capacitados para identificar a ferrugem asiática da soja. Além disso, fazem parte dele cerca de 60 pesquisadores de instituições públicas e privadas, distribuídos em todas as regiões brasileiras com o intuito de monitorar o problema e gerar informação atualizada sobre a doença.
Sua página na internet (www.consorcioantiferrugem.net) reúne dados de pesquisa, orientações técnicas e também monitora a doença em tempo real durante a safra de soja.
A partir da detecção regional dos focos de ferrugem, a cada safra, e do compartilhamento digital dos dados, é gerado um mapa sobre a dispersão da doença no Brasil.
PLANTAS DANINHAS
O Brasil tem 33 casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas. No mundo, existem 437 casos de resistência a 238 diferentes espécies de plantas daninhas, de acordo com o The International Survey of Herbicide Resistant Weeds, uma parceria entre os cientistas que estudam plantas daninhas em 80 países. Os dados ficam disponíveis no site www.weedscience.org.
A seleção de plantas daninhas resistentes a herbicidas é resultado do uso continuado do mesmo produto na mesma área, sem a rotação de mecanismos de ação, informa o pesquisador Fernando Adegas, da Embrapa Soja.
Ao se usar o mesmo herbicida, por um longo período de tempo, o produto elimina a maioria das plantas daninhas, mas seleciona as que são mais tolerantes e as resistentes a ele.
“A médio e longo prazo, as plantas resistentes selecionadas aumentam nas lavouras e começam a causar problemas para seu controle”, explica Adegas.
O manejo de espécies de plantas daninhas resistentes, como a buva (Conyza bonariensis, Conyza canadenses e Conyza sumatrensis), o azevém (Lolium multiflorum) e o capim-amargoso (Digitaria insularis) preocupa cada vez mais produtores, técnicos e pesquisadores. Isso porque as plantas daninhas competem com a soja por luz, água e nutrientes.
Também interferem na eficiência da colheita, no aumento do nível de impurezas e na umidade dos grãos, conta o pesquisador.
A dificuldade para eliminar as plantas daninhas resistentes aos herbicidas disponíveis no mercado tem feito os produtores a buscar novos métodos.
Ele ressalta que métodos integrados de manejo buscam evitar a perda de produtividade, mas podem aumentar o custo de produção.
“Em casos extremos, os custos para controle de plantas daninhas resistentes podem aumentar em 700%”, calcula Adegas. “Isso acontece porque o produtor precisa introduzir diferentes herbicidas ou utilizar métodos mecânicos como a capina manual.”
SINAL VERMELHO NO CAMPO
Mais de 90% dos 31 milhões de hectares cultivados com soja no Brasil utilizam sementes de plantas geneticamente modificadas para a resistência ao herbicida glifosato. Atualmente, estima-se que a resistência ao glifosato esteja disseminada em, aproximadamente, 30% da área geográfica de cultivo de soja.
“Isso não significa que todas as propriedades dentro dessa área de abrangência têm problema de resistência”, revela o pesquisador. “Mesmo assim é um número alarmante, porque esta expansão tem sido continuada ano a ano e a projeção é que a resistência deva aumentar.”
Os primeiros relatos de resistência ao glifosato ocorreram na região Sul, mas o problema já está presente no Sudeste e Centro Oeste, ou seja, em importantes regiões produtoras.
Até 2013, no Brasil, havia o registro de cinco espécies resistentes ao glifosato: três espécies de buva, uma do capim-amargoso.
Em junho do ano passado, uma nova espécie foi identificada, o chloris (Chloris polydactyla). A identificação e o relato da nova espécie foi pela equipe da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/Universidade de São Paulo), que identificou dois biótipos de chloris resistente, sendo um em lavoura de soja do Paraná e outro em pomar de citrus, em São Paulo.
“O chloris é um problema inicial, por isso, não sabemos se ele se tornará um problema mais grave e abrangente como a buva e o capim-amargoso são atualmente”, explica o professor Pedro Christofolleti.
INSETOS RESISTENTES
A utilização indiscriminada de defensivos agrícolas para controle de insetos também favorece a seleção de populações resistentes.
Os insetos que apresentam maior potencial para adquirir resistência aos químicos são: o percevejo-marrom (Euschistus heros), a lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens), a lagarta helicoverpa (Helicoverpa armigera), a mosca branca (Bemisia tabaci) e alguns ácaros.
“Temos observado que o problema de falhas de controle de algumas pragas vem se agravando, desde 2002, quando começamos a realizar os primeiros ensaios em salas de criação de lagartas e percevejos para avaliar a resistência desses insetos a inseticidas”, relata o pesquisador Daniel Sósa Gomez.
Isso ocorre em função do uso frequente dos produtos e sem respeitar os níveis de ação, que representam o momento adequado da aplicação de inseticidas. Para minimizar o problema o pesquisador recomenda como estratégia antirresistência a alternância de inseticidas com modos de ação diferenciados, assim como o uso de doses recomendada pela pesquisa.
Nos últimos anos, a pesquisa atualizou ainda as informações sobre o nível de dano aceitável (densidade dos insetos na qual recomenda-se a aplicação de inseticidas) sem prejuízos.
Essa informação é a base das recomendações do Manejo Integrado de Pragas (MIP). O surgimento da lagarta Helicoverpa mostrou a importância de sistemas mais equilibrados e como os inimigos naturais ajudam nesse problema.
Pesquisador Daniel Sósa Gomez: "Temos observado que o problema de falhas de controle de algumas pragas vem se agravando, desde 2002”.
Crédito: CNPSO/Marisa Horikawa Pesquisador Daniel Sósa Gomez: “Temos observado que o problema de falhas de controle de algumas pragas vem se agravando, desde 2002”. Crédito: CNPSO/Marisa Horikawa
Na safra 2013/14, um levantamento realizado pela Embrapa, em lavouras de soja do Paraná, revelou que o índice médio de mortalidade das lagartas de Helicoverpa armigera pela ação dos inimigos naturais (parasitoides, patógenos e nematoides) foi de 60,9%, o que confirma a ação positiva destes organismos no controle da praga.
Na safra 2013/14, por exemplo a Emater-PR (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Paraná) e a Embrapa conduziram 46 Unidades de Referência (URs), em propriedades agrícolas do Paraná, para avaliar o impacto da utilização no MIP. Um dos dados surpreendentes foi que nas URs que adotaram o MIP, a média de aplicações caiu de 5,0 para 2,3.
“Os resultados evidenciaram ser possível reduzir o uso de agroquímicos no controle de pragas da soja e assim, propiciar melhorias na renda do produtor de soja e minimizar o impacto ao ambiente”, destaca o pesquisador Daniel Sósa Gomez.
SOJA BT
Com relação ao controle de lagartas, uma nova alternativa surgiu na safra 2013/14, com o lançamento da soja Bt. Essa nova soja expressa características de uma toxina similar à da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) que controla algumas espécies de lagartas.
A soja Bt confere proteção contra as pragas (algumas espécies de lagartas) durante todo o ciclo de desenvolvimento da planta.
Ao mesmo tempo em que as lagartas são controladas, também pode haver, a longo prazo, a seleção de insetos resistentes.
Assim como já observado com os cultivos convencionais, a utilização de culturas transgênicas traz consigo o risco de seleção de populações de insetos resistentes, afirma Daniel Sosa Gómez, da Embrapa Soja.
Entre as diversas medidas para reduzir a seleção de indivíduos resistentes, o pesquisador recomenda o plantio de área de refúgio. O refúgio é o cultivo de uma percentagem da área (no mesmo talhão) com a mesma cultura não-Bt.
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