Os números da dengue no Brasil têm deixado as autoridades em alerta: a doença já infectou 224,1 mil pessoas só este ano, 162% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. Uma vacina seria um importante instrumento para prevenir surtos e epidemias, porém até agora não existe um produto aprovado para esse propósito.
Uma das principais dificuldades é o fato de que a vacina contra dengue deve proteger contra os quatro sorotipos da doença: é como se fossem quatro vacinas em uma só. O médico Marcus Aurélio Sáfadi, diretor do Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo e consultor do Ministério da Saúde na área de imunizações, observa que é importante que a vacina tenha equilíbrio de proteção em relação às quatro formas da doença. "Se falhar em um dos sorotipos, pode ter uma situação de risco para os que se infectam pelo sorotipo em que houve a falha."
Pesquisadores de várias instituições, incluindo duas brasileiras, estão trabalhando para superar esse desafio. Conheça as vacinas em desenvolvimento e saiba o quão perto estamos de ter uma imunização eficaz contra dengue disponível para a população.
Sanofi: expectativa para 2016
A candidata a vacina contra dengue que está mais adiantada é a da farmacêutica francesa Sanofi. Em novembro do ano passado, foram divulgados os resultados de um estudo que envolveu 20.869 crianças e adolescentes da América Latina, inclusive do Brasil. Os resultados mostram que a vacina foi capaz de prevenir, em média, 60,8% dos casos de dengue em geral e 95,5% dos casos graves.
A vacina teve níveis de proteção diferentes para cada sorotipo. Para o sorotipo 1, a proteção foi de 50%; para o sorotipo 2, foi de 42%; para o sorotipo 3 foi de 74% e para o sorotipo 4 foi de 77,7%.
Segundo Sheila Homsani, gerente do departamento médico da Sanofi Pasteur, divisão de vacinas da empresa, a expectativa é que a vacina esteja disponível para a população no início de 2016. Ela afirma que os documentos necessários para o registro devem ser entregues para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda neste semestre.
“Geralmente a Anvisa leva alguns meses para analisar porque são muitos documentos. A gente imagina que no início do ano que vem ela possa ser liberada”, diz. Segundo ela, foram 20 anos de pesquisa até se chegar a esse estágio.
A base do produto da Sanofi é a vacina contra febre amarela, que recebe um envoltório das proteínas que desencadeiam a resposta imunológica de cada um dos vírus da dengue. Para ser eficaz, ela deve ser aplicada em três doses, com intervalo de seis meses.
A empresa já inaugurou uma fábrica em Lyon, na França, dedicada exclusivamente à produção de vacina contra a dengue, com capacidade de produzir 100 milhões de doses por ano.
Instituto Butantan e NIH: fase 2 em humanos
Outra iniciativa é resultado de uma parceria entre o Instituto Butantan e os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH). O projeto já está na fase 2 de pesquisa clínica. Trata-se da segunda fase de testes com voluntários humanos (para submeter o produto à Anvisa, é preciso apresentar os resultados da fase 3, em que um número bem maior de voluntários recebe a vacina experimental).
A ideia é que 300 voluntários sejam vacinados nesta etapa. Até o momento, 154 já receberam a vacina. Alguns aguardam resultados de testes laboratoriais que devem ser feitos antes de receberem a dose experimental e novos voluntários ainda estão sendo recrutados por instituições como a Faculdade de Medicina da USP.
Segundo Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Butantan, esta fase deve terminar em até 60 dias e, logo em seguida, começará o preparo para a fase 3 de pesquisa. “Os resultados da fase atual têm demonstrado que estamos trabalhando com uma vacina bastante segura, com o perfil adequado”, diz o pesquisador. “A vacina tem apresentado uma resposta bastante balanceada para os quatro tipos de vírus.”
A vacina do Butantan e do NIH é feita com os próprios vírus da dengue, que foram modificados para que a pessoa desenvolva anticorpos contra os quatro sorotipos sem desenvolver os sintomas relacionados a eles. Precioso acrescenta que os testes têm mostrado que bastará uma dose para que a vacina seja eficaz.
Fiocruz
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está envolvida em dois projetos de pesquisa na busca de uma vacina. Um deles, coordenado por Bio-Manguinhos, é resultado de uma parceria com a farmacêutica britânica GlaxoSmithKline (GSK).
O outro, coordenado pelo Instituto Oswaldo Cruz, anunciou que deveria começar a testar a vacina experimental contra dengue em primatas no início de 2015.
"Eu acredito que daqui a uns 3 ou 4 anos, a gente poderia propor fazer os testes em humanos", disse a bióloga molecular Ada Alves, da Fiocruz, em entrevista no final do ano passado.
Takeda: fase 3 em breve
A farmacêutica japonesa Takeda também está na corrida pelo desenvolvimento de uma vacina contra dengue. A empresa comprou, em 2013, a americana Inviragen, que estava desenvolvendo uma vacina contra a dengue.
De acordo com o laboratório, a vacina tetravalente (que previne conta os quatro sorotipos da dengue) em estudo pela Takeda é "uma vacina quimérica recombinante baseada em uma forma atenuada do vírus da dengue 2, que fornece o 'esqueleto' genético para todos os quatro vírus da dengue".
Testes clínicos de fase 1 e 2 vem sendo feitos nos últimos anos. "A vacina tetravalente contra a dengue da Takeda está atualmente em fase avançada de estudos para testar a sua eficácia e segurança e entrará em fase 3 de testes clínicos em breve", afirmou a companhia, em nota enviada por e-mail.
USP: previsão para três anos
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) responsáveis pelo desenvolvendo de uma vacina contra dengue buscam voluntários para testes em humanos. O estudo começou em 2013 e está na segunda fase. A previsão é que as doses estejam disponíveis nos postos de saúde em três anos.
A vacina é produzida com o próprio vírus da dengue, mas enfraquecido. "Até agora foram vacinados cerca de 160 [voluntários], todos eles toleraram muito bem a vacina e a gente pode entender cada vez melhor que, provavelmente, trata-se de uma vacina muito segura", disse o professor de Medicina Esper Kallas.
Nesta segunda fase do estudo, o objetivo é vacinar mais 140 voluntários até o meio do ano. Segundo os pesquisadores, os testes em humanos são necessários porque, antes de chegar ao público, a vacina vai passar por uma terceira etapa, com a aplicação das doses em mais 15 mil pessoas.
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