Vida nova: “Perdoei o assassino do meu filho e ajudei a família dele"
DAISY ENTRE OS FILHOS EDGAR E RAFAEL / Foto: ARQUIVO PESSOAL

“O Rafael, meu filho caçula, queria conhecer a Grécia. Era fascinado pela história e se empolgava me mostrando no computador fotos das paisagens do país. No ano que vem farei essa viagem, economizei muito para isso. Mas não poderei levar o Rafa. Meu filho foi assassinado em um assalto em 9 de julho de 2009, o dia mais terrível da minha vida.

Fiquei viúva aos 30 anos, depois que meu marido sofreu um aneurisma. Sinto que sou uma vitoriosa por ter criado sozinha nossos meninos – além do Rafa, tivemos o Edgar. Eles tinham 7 e 9 anos quando perderam o pai, em 1992. Eu era dona de casa e consegui manter nossa renda cozinhando para um hotel em Santos, litoral de São Paulo. Por ser mais velho, o Edgar virou o ‘homenzinho da casa’. Muito sério, me ajudava nos cuidados com o Rafa, que era mais brincalhão e carinhoso.

Dez anos depois da perda do meu marido, mudei para Indaiatuba, no interior de São Paulo, onde meu novo parceiro morava. A relação durou somente um ano, tempo em que abri uma padaria e contava com a ajuda dos meninos para administrá-la. No final da madrugada, era eu quem abria o dia, à tarde o Edgar assumia e o irmão entrava às 19h, para rendê-lo.

O Rafa era um rapagão de 1,90 me chamava atenção pela beleza. Com 25 anos na época da tragédia tinha acabado de se formar como técnico em informática. Como era de costume, o Rafa encerrava o expediente na padaria por volta das 22h30. Um assaltante armado apareceu e exigiu que meu filho abrisse o caixa. Numa atitude impulsiva, ele partiu para cima do ladrão, tentando desarmá-lo. Levou dois tiros no peito e não resistiu.

Cheguei ao hospital e quis ver meu menino. Não havia chorado até receber a notícia, mas, ao abraçar o corpo do Rafa ainda quente e ferido à bala, desabei. A polícia prendeu o assassino três meses depois. Não tive coragem de ficar frente a frente, mas li o depoimento no qual ele explicava que não tinha a intenção de matar no assalto. Mas se defendeu porque o Rafa era um armário, de tão forte.

A prisão não me trouxe alívio. Quase um ano depois, seguia deprimida, sempre com a pressão alta. Um dia, em conversa com a Marlene, uma conhecida, ela contou que estava colhendo doações para ajudar uma vizinha muito pobre, mãe de três crianças. O marido cumpria pena por um latrocínio em uma padaria da cidade. A Marlene nem imaginava, mas estava falando com a mãe da vítima. Pedi mais informações sobre essa família. A mulher do criminoso era faxineira de uma creche e tinha dificuldade para colocar comida no prato dos filhos. Tomei coragem e fui até lá, para vê-la de longe, e fiquei comovida. Era uma mãe batalhadora, criando seus meninos sozinha. Como eu havia sido. Por intermédio da Marlene, passei a enviar cestas básicas e algum dinheiro para os parentes do algoz do Rafa. Acompanhava anonimamente o crescimento das crianças e isso me renovava. Como se, fazendo aquele bem, eu ajudasse meu filho a ter paz. Prestei auxílio a essa família por três anos, até que a mulher se casou novamente – desta vez com um bom rapaz.

Ajudá-los também me fez perdoar o assassino, condenado a 30 anos de prisão. Percebi que o ódio e a revolta amarguravam meus dias. E meu filho era tão alegre, tinha uma gargalhada gostosa... Ele não gostaria de me ver em depressão. Estou animada para ir à Grécia. Realizarei o sonho do Rafa.”